A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, anunciou que renunciará ao seu cargo, mantendo-se em funções, o mais tardar, até ao início de fevereiro, deixando já marcada para catorze de outubro próximo a data para a realização das próximas eleições.

Não o fez de ânimo leve. Numa declaração emocionada ao país, porque a política pode ser conduzida pela razão mas o seu motor é o coração e as causas que carrega, disse que sentia que não estava a dar de si aquilo que sabia poder dar, por cansaço e desgaste de uma actividade intensa. E reconheceu publicamente que lhe faltavam forças para levar por diante a missão que sabe ser necessária, e que o país só teria a perder. Fê-lo sem alaridos e dando uma explicação: Dei tudo de mim para ser primeira-ministra, mas isso também exigiu muito de mim. Não posso e não devo fazer o trabalho a menos que tenha um tanque cheio e um pouco de reserva para os desafios não planeados e inesperados que inevitavelmente surgem. Tendo refletido no verão, sei que não tenho aquele extra no tanque para fazer justiça ao trabalho. É simples”. Por detrás da sua decisão, não há nenhum escândalo. E mesmo decorridos cinco anos sob a sua governação continua a manter os níveis de popularidade. Reconheceu apenas “Sou humana. Damos tudo o que podemos pelo tempo que podemos e então chega o momento. Para mim, é o momento”. A sua comunicação apanhou todos de surpresa.

Jacinda Ardern quando surgiu foi considerada a esperança do Partido Trabalhista, tendo suportado todo o seu trajeto num discurso robusto e vigoroso, virado para dentro, mas também fora, para as pessoas e para o que elas almejavam para o seu país. Desafiou e assumiu causas na primeira pessoa e foi assim que, em 2017, ganhou as eleições, aos 37 anos. Em 2021 foi reeleita com maioria absoluta. Poucos se podem orgulhar de tamanho feito.

Desde então manteve sempre a verticalidade política, irrepreensível.

Tomou decisões difíceis e assumiu-as. Governou o período pandémico e antecipou-se em muitas das medidas que só mais tarde foram aplicadas em outros países, designadamente o fecho do país a tudo e a todos. Em resposta à crise económica, que resultou da pandemia global de COVID 19, reduziu em 20% todos os salários da função pública, incluindo o seu e da sua equipa ministerial, ninguém ficou de fora. Foi pioneira quando levou para um dos plenários das Assembleia Geral das Nações Unidas a sua filha, de apenas três meses, que amamentava. E quando a mesquita em Christchurch sofreu um ataque que vitimou 51 cidadãos de origem indiana, paquistanesa, egípcia, jordaniana e somalis, ela solidarizou-se com os familiares das vítimas classificando de ato de terrorismo o que ali tinha acontecido.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Isto não é show off é convicção, é respeito pelo diferente. Isto não é marketing, é liderança política no feminino com um forte pendor humanista. Todos lhe devíamos agradecer, por ter feito aquilo que tantas vezes desejámos e que muitas mulheres por este mundo fora ainda ambicionam. Estou grata por ela ter começado a desbravar o caminho para um mundo mais humano. Por demonstrar, por exemplo, que a natalidade não é um bicho de sete cabeças nem deve ser impeditiva de nada. Por ter o poder e o ter usado com inteligência, para passar mensagens importantes ao mundo, algo revelador da sua pessoa, das suas prioridades e causas, dos seus valores e princípios inabaláveis.

Uma primeira-ministra com estas características merece o nosso maior respeito em todos os pontos do globo. Não será, pois, difícil, como é seu desejo, que venha a ser recordada como “alguém que tentou sempre ser gentil com os outros”. E será que existe na vida política alguma coisa mais digna que isto? Esta mulher vem corroborar a minha profunda convicção de que na política não são todos iguais. E ainda bem. Jacinda Ardern tem um estilo e uma liderança que devia servir de modelo. E que assim seja!

Por cá precisávamos deixar cair o pano, mas será que ainda vamos a tempo?

Aí Portugal, por que não lhe segues o exemplo?