“Na regulação de populações naturais, a caça não é um método eficiente”
(Luís Vicente, Liliana Vieira e Ana Pereira, PAN)
A citação acima é de um artigo de opinião (Jornal Mais Ribatejo de 16 de Dezembro de 2022) onde os autores respondem negativamente à questão de os Javalis serem, atualmente, considerados uma praga. Tecendo um conjunto de infantilidades sobre a espécie, aproveitam-se da questão para propaganda política ao defender a agenda do PAN para o mundo rural, onde se inclui, entre outras tolices, o ódio cego à caça.
A coisa começa com um diagnóstico errado: a desflorestação, fragmentação de habitats, monoculturas, assim como os incêndios, e consequentes faltas de espaço e alimento trazem os javalis para perto do Homem. Ora deveriam saber que os javalis não são esquisitos, nem em termos de habitat nem de alimento. O que os traz para perto do Homem? Serem mais, muitos mais.
Mas os autores clamam por estudos porque acham que o “boom” não tem base científica. Um dos muitos vícios políticos: estudos e mais estudos para, enquanto se aguarda pelo óbvio, nada se fazer… Há cerca de um século, o Javali ocorria em meros 5% do país, sobretudo junto à fronteira (F. Lopes & J. Borges, 2004). E a situação da espécie ainda piorou com os surtos de Peste Suína de meados do século passado, ao ponto da sua caça ter sido proibida em 1967 e de dois anos depois, Baeta Neves o apresentar à IUCN como uma espécie ameaçada. Isto é, há apenas 50 anos, estava praticamente extinto em Portugal!
Todavia, a partir daí, o javali encetou uma espantosa recuperação. As primeiras Montarias dos tempos modernos, realizaram-se na década de 1980 (Fonseca e Correia, 2008), já a espécie ocorreria em cerca de 20% do país (Bugalho et al. 1984). Mas a expansão da espécie (com elevada taxa reprodutiva) nem assim abrandou, encontrando-se, nos nossos dias, literalmente, por todo o país (Bencatel et al. 2019: “Atlas de Mamíferos de Portugal”).
Como facilmente se percebeu pelo elevado número de participantes do programa Contra-Corrente do passado dia 28 de Fevereiro, esta expansão é uma fonte de problemas para o homem, que vão da perigosidade do contacto em zonas muito populosas (como cidades ou praias), ou da colisão com veículos, à perda de biodiversidade (por exemplo nas Matas da Arrábida), assim como ao risco de propagação da Peste Suína e afetação do porco-doméstico (espécie muito importante para nós, da alimentação à medicina), e, claro, aos estragos agrícolas, problema agravado pela dificuldade de adotar medidas restritivas, dados os custos e/ou ineficiência dos métodos de proteção – claro que para o PAN é muito fácil falar em cercas ou em esterilização, sem explicar com que dinheiro e eficácia…
Não é, assim, necessário mais nenhum estudo para perceber que urge, então, gerir as populações deste animal, e para isso a caça afigura-se, como uma indispensável ferramenta de gestão.
Não resolve o problema como dizem os autores? Pois não. Ao contrário do que costumamos pensar, a predação dificilmente o faz. Os javalis foram neste território predados por leões, leopardos, hienas, dentes de sabre, etc., animais hoje extintos, restando como únicos predadores lobos e homens (que os caçam continuamente há centenas de milhares de anos). E se isto está mal estudado em Portugal, podemos confirmar por estudos no país vizinho: por exemplo Nores et al. 2008, para as Astúrias, calcularam que lobos e homens juntos (3 a 4 vezes mais os segundos que os primeiros) não chegavam a responder por metade das mortes anuais de javalis; Tanner et al. 2019 acrescentam que a expansão do javali tanto se deu em zonas sem como com lobos…
Mas se não resolve o problema, não os caçar só o agravava em múltiplos aspetos. Com efeito, as vantagens vão da valorização económica ao turismo ou à gastronomia, passando pela conservação de espécies raras da flora ou pela diminuição e fiscalização do furtivismo (esse sim lesivo para várias espécies. E se, no mundo de Unicórnios onde vive o PAN, a solução são mais restrições e fiscalização, no mundo real, em muitos lados não se vê vivalma, quanto mais um polícia ao longo de anos…) e, no limite, à proteção da própria espécie contra a propagação de doenças como a Peste, que, no passado, já o levaram ao limiar da extinção, assumindo o homem, desta forma, simplesmente o seu papel ecológico de predador multi-milenar de javalis.
Por último, e não menos importante, vai ao encontro da satisfação das populações locais – mesmo que os seus efeitos não sejam eficientes. Até porque, como disse no já citado programa o Arq. Henrique Pereira dos Santos, malucos há muitos, até para (além de laços, venenos, etc.), por revolta (e é aflitivo quando alguém, como um vizinho da minha aldeia contava, semeou uma vez, viu tudo destruído, tentou uma segunda vez, com o mesmo resultado e à terceira… desistiu) fazer uma loucura como a de propagar propositadamente uma doença como a Peste Suína!
Sim, são poucas, mas no mundo rural vivem pessoas. Pessoas que têm direitos, pessoas que não podem ser expoliadas das suas casas, terras, viveres, etc. por quem acha no conforto da Urbe saber o que elas precisam melhor que as próprias… Pessoas que pagam impostos, e que não devem ver as suas aflições ignoradas. Porque, afinal de contas, são também portugueses!