Julgo ser consensual que os “gastos excessivos” decorrentes do evento JMJ (são cerca de 36 milhões de euros) terão um retorno económico dez vezes superior. Num estado laico. Para crentes e não-crentes. Tal crítica, por conseguinte, não colhe, ou colhe mal, até porque nem tudo se deve medir pelo retorno económico (porque não somos tecnocratas, pois não, Ó Vós que sempre perorais contra a tecnocracia!?).

É importante que tenhamos em conta a mobilização massiva de jovens, nacional e internacionalmente, que este evento gerou, gera e gerará (e não só católicos, há que sublinhar). Num tempo de tanta desorientação, divisão e falta de sentido existencial, tal mobilização é boa e necessária. Os jovens são o futuro e devem dar o exemplo e lançar as bases da unidade e da paz mundial. Se este evento puder contribuir para isso também, melhor.

A tal “multinacional italiana” pejorativamente referida por Bordalo é só a mais antiga instituição do mundo ainda em vigor. Nasceu em pleno apogeu do império romano e, sem ela, a Europa que hoje conhecemos, a tal dos direitos humanos e do personalismo, não existiria. É que não teria existido, após a queda do mundo clássico no século V, uma instituição pan-europeia que mantivesse a união dos vários estados ditos “bárbaros”, ao mesmo tempo conservando e promovendo o conhecimento desse mundo quase-perdido da Antiguidade, da sua lei, da sua filosofia, da sua arte. Sem a lei romana conservada e divulgada pela Igreja, condimentada com o personalismo cristão, os vários reis europeus da Alta e Baixa Idade Média teriam tido rédea livre para os seus desmandos, oprimindo o povo a seu bel-prazer, guerreando-se sem fim, etc. Sem as escolas monásticas, já para não falar nas universidades fundadas e patrocinadas pela Igreja (foram-nas todas as primeiras grandes universidades, de Bolonha a Paris, passando por Oxford, Salamanca e outras), os gérmenes do futuro Renascimento europeu, com todas as suas consequências, teria sido uma miragem. E sem a Teologia, o conceito de pessoa humana seria muito mais pobre (“pessoa” é um conceito criado no seguimento das reflexões sobre a Trindade), já para não falar em conceitos como “direito natural”, igualdade, dignidade humana, sem os quais a ascensão do indivíduo, tão cara ao liberalismo das nossas sociedades abertas, não teria sido possível. Neste contexto, dificilmente teria chegado a haver uma “Declaração Universal dos Direitos Humanos”.

A “multinacional” é das poucas instituições que tem hoje a capacidade de manter a Europa unida em termos dos valores fundamentais. E de gerar alguma esperança num mundo desencantado e com sede de referências e de sabedoria. E mantém, por todo o mundo, milhares de escolas, universidades, organizações de caridade cujo papel não deve ser menosprezado.

Sim, somos um estado laico, mas não transformamos, felizmente, o laicismo numa religião. Seria uma religião muito pobre, e muito intolerante. Sabemos reconhecer o papel histórico da Igreja Católica – político, cultural, espiritual, ético – , sem o qual não haveria Bach, nem Miguel Ângelo, nem Pico dela Mirandola, nem Descartes, nem Renascimento, nem Reforma… Nem Europa, muito provavelmente. Esta herança faz parte da nossa genética histórica e cultural coletiva, não pode nem deve ser menosprezada.

É evidente que não nego, nem poderia negar, os muitos “esqueletos” no armário que a Igreja Católica acumulou ao longo dos seus quase 2000 anos de História. A Inquisição, desde logo, que tanto contribuiu para atrasar o nosso país; as perseguições às minorias, aos judeus, aos muçulmanos, aos heréticos de todas as denominações; o patrocínio das cruzadas. Não nego nada disso. Ainda que não se deva assacar as culpas apenas à instituição Igreja como um todo, mas também aos muitos representantes do poder temporal que, para prossecução dos seus próprios fins pessoais, consideraram útil recorrer a argumentos religiosos ou à própria Igreja para conseguirem o que queriam. E vice-versa.

Em todo o caso, houve também místicos, santos, reformadores de todos os tipos, que souberam sempre distinguir entre a mensagem e a instituição com todos os seus problemas. Que sempre souberam manter viva a chama da espiritualidade, mais ou menos próximos da mensagem essencial do Evangelho, para além de todas as tentações do domínio, da riqueza e do luxo. “A Deus o que é de Deus, a César o que é de César”; “O maior entre vós deve ser o servo de todos”; “O meu reino não é deste mundo”; “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”(…); “Amai os vossos inimigos, e rezai pelos que vos perseguem”; “Não há grego nem judeu, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Paulo); “Deus é amor” (João)…..

Essa mensagem fundamental, inscrita no Evangelho, dificilmente passará, e será sempre a fonte de renovação da própria Igreja. E bem assim, se bem entendida, da humanidade como um todo.