No título desta crónica dou obviamente a precedência a São José, aquele mesmo com quem a Virgem Maria casou e que foi o pai legal de Jesus – todos os três, constituintes da Sagrada Família, habitantes de Nazaré, na Galileia – mas começo o texto com algumas referências históricas do feriado do 1º de Maio.

Este dia é para alguns a festa dos trabalhadores, mas para outros sobretudo do trabalho, distinção significativa que poderia desenvolver, mas não é por aí que quero ir. É ainda para outros, católicos, o dia de São José, Operário, referido historicamente como carpinteiro, mas, ao que parece, segundo as mais recentes interpretações, construtor num sentido mais genérico, de qualquer dos modos também um trabalhador.

Na primeira perspectiva, trabalhista, digamos assim, a instituição de um Dia do Trabalho enquanto feriado nacional, ocorreu nos Estados Unidos da América, a 28 de Junho de 1894, ao ser assinada uma lei do Congresso pelo Presidente Grover Cleveland, para ser celebrado anualmente o Labour Day, na primeira segunda-feira do mês de Setembro. O Presidente decidira-se pela lei, pressionado pelas consequências de uma greve da empresa de transportes Pullman, em Chicago (Maio de 1894), durante a qual tinham ocorrido mortes de manifestantes, na circunstância da intervenção das forças da ordem.

Já doze anos antes, a 2 de Setembro de 1882, porém apenas em Nova Iorque, o dia festivo tinha sido celebrado por iniciativa do Central Labor Union, com uma grande parada, onde milhares de pessoas desfilaram com carros exibindo faixas alusivas e reclamando que a jornada de trabalho não excedesse as 8 horas. Em finais da década de 80, a American Federation of Labor anunciava uma outra greve para começar no dia 1 de Maio de 1890, em homenagem aos mortos de greves anteriores. Entretanto, na Europa, no Le 14 Juillet de 1889, 1º centenário da tomada da Bastilha, um grupo de dirigentes socialistas e trabalhistas de vários países encontravam-se em Paris para fundar a Segunda Internacional. Foi esta organização que, em homenagem aos americanos mortos durante as manifestações grevistas, escolheram então o dia 1 de Maio para dia celebrativo e de protestos dos trabalhadores. E assim, pouco depois, se generalizou pelos restantes países o dia 1º de Maio de todos os anos como o dia internacional do trabalho. Em Portugal, ficou para a História a celebração do 1º de Maio de 1974, com multidões imensas nas ruas; e porventura a do ano passado, que gerou muita polémica, no contexto do confinamento devido à Covid-19.

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Foi a esta perspectiva trabalhista que a Igreja, sempre atenta ao espírito do tempo (colando-se-lhe e/ou opondo-se-lhe), se associou, neste caso com a instituição da simples memória litúrgica de São José Operário (S. Giuseppe artigiano), pelo Papa Pio XII, num discurso proferido na Praça de São Pedro perante milhares e milhares de trabalhadores das Associazioni Cristiane Lavoratori Italiani (ACLI), no dia 1 de Maio de 1955.

Mas a veneração por este eminentíssimo santo da Igreja, no Ocidente, vem já desde o século X e a sua festa litúrgica mais importante, há muito se fixou para o dia 19 de Março, que depois se foi tornando também a festa do Dia do Pai. Da simples memória que era, foi sendo elevada até se tornar a Solenidade de São José, Esposo da Virgem Santa Maria.

Muitos Papas do passado dedicaram a São José especialíssimas atenções e meditações. De facto, conforme reconheceu recentemente o Papa Francisco, «depois de Maria, a Mãe de Deus, nenhum Santo ocupa tanto espaço no magistério pontifício como José, seu esposo». Cito apenas algumas das suas mais relevantes intervenções dos últimos séculos:

Pio IX, indicou «S. José como a esperança mais segura da Igreja depois da Virgem santíssima» e proclamou-o como Padroeiro Universal da Igreja (em 1870);

Leão XIII, «com a carta Quamquam pluries (de 1889), o documento mais amplo e copioso até então publicado por um Papa, em honra do pai putativo de Jesus, elevado em sua luz característica de modelo dos pais de família e dos operários»;

Pio X, reforçou os motivos para o culto de São José como Padroeiro Universal da Igreja Católica (em 1908);

Bento XV, com o Motu próprio Bonum Sane (de 1920), aprofundou a doutrina sobre São José como preparação do cinquentenário da proclamação do santo como Padroeiro Universal da Igreja;

Pio XI e Pio XII, ambos em inúmeras alocuções e o último (em 1955) com a instituição da festa já atrás referida da memória de São José Operário.

Seguiu-se-lhes João XXIII, de cuja Carta Apostólica Le Voci (LV), de 19 de Março de 1961, recolhi a síntese histórica acima. Com esta sua Carta, o Papa João invocava de modo muito particular a assistência e protecção do Padroeiro Universal da Igreja como Padroeiro do Concílio Vaticano II, que se encontrava já em preparação e hoje é tão visceralmente debatido nas suas diversas interpretações e consequências eclesiais e mundanas. Assim declarou aquele pontífice, cheio de esperança:

«Ao centro destas solicitudes e em lugar preeminente encontra-se, sem dúvida, o Concílio Ecuménico Vaticano, cuja expectativa está nos corações de todos os que crêem em Jesus Redentor, quer pertençam à nossa mãe, a Igreja Católica, ou a alguma das diversas confissões que dela se separaram e nas quais, entretanto, muitos estão ansiosos por um regresso à unidade e à paz, segundo o ensino e a oração de Cristo ao Pai Celeste. É muito natural que esta evocação das palavras dos Papas do último século sirva perfeitamente para suscitar a cooperação do mundo católico para o bom êxito do grande plano de ordem, de elevação espiritual e de paz, ao qual um Concílio Ecuménico é chamado» (LV, 16).

E João XXIII continuava, manifestando o desejo de que ninguém se excluísse da tarefa de invocar a intercessão de São José: «Todos, por conseguinte, estão interessados pelo Concílio, eclesiásticos e leigos, grandes e pequenos de todas as partes do mundo, de todas as classes, de todas as raças, de todas as cores; e se um protector celeste é indicado para conseguir do alto, em sua preparação e realização, aquele “poder divino” pelo qual ele parece destinado a marcar época na história da Igreja contemporânea, a nenhum dos protectores celestes poderia ser mais bem confiado do que a S. José, augusto chefe da família de Nazaré e protector da santa Igreja» (LV, 19).

Não me adentro pelo que de São José escreveram os pontífices seguintes, Paulo VI, especialmente João Paulo II (cf. a Exortação Apostólica Redemptoris Custos, Guardião do Redentor, sobre a figura e a missão de São José na vida de Cristo e da Igreja, de 15 de Agosto de 1989) e Bento XVI, senão por mera questão de espaço.

A última dessas particulares atenções pontifícias foi a Carta Apostólica do Papa Francisco, Patris Corde (PC), datada do passado dia 8 de Dezembro de 2020, por motivo dos 150 anos da proclamação de São José como Padroeiro Universal da Igreja. Escreve Francisco no sétimo paragrafo (itálicos meus):

«Assim, ao completarem-se 150 anos da sua declaração como Padroeiro da Igreja Católica, feita pelo Beato Pio IX a 8 de Dezembro de 1870, gostaria de deixar “a boca – como diz Jesus – falar da abundância do coração” (Mt 12, 34), para partilhar convosco algumas reflexões pessoais sobre esta figura extraordinária, tão próxima da condição humana de cada um de nós. Tal desejo foi crescendo ao longo destes meses de pandemia em que pudemos experimentar, no meio da crise que nos afecta, que “as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes passarelas do último espectáculo, mas que hoje estão, sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história: médicos, enfermeiras e enfermeiros, trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho. (…) Quantas pessoas dia a dia exercitam a paciência e infundem esperança, tendo a peito não semear pânico, mas corresponsabilidade! Quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram às nossas crianças, com pequenos gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar uma crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a oração! Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem pelo bem de todos” (Francisco, Meditação em tempo de pandemia de Março de 2020). Todos podem encontrar em São José – o homem que passa despercebido, o homem da presença quotidiana discreta e escondida – um intercessor, um amparo e uma guia nos momentos de dificuldade».

«[…] Nos momentos de dificuldade». De facto, num momento em que a Igreja e o mundo atravessam tempos tão confusos e complicados, entendeu o Papa Francisco proclamar, se bem que a propósito dos 150 anos do Patrono Universal da Igreja, um especial Ano de São José, que decorre entre os dias 8 de Dezembro de 2020 e 2021.

Patris Corde (Coração de Pai), é um belíssimo texto que devia ser lido, naturalmente por todos os católicos, mas especialmente pelos pais, avós, padrinhos e todos os educadores nos diversos âmbitos, ainda que não se identifiquem com o catolicismo. Nele, Francisco salienta sete traços de São José: 1) Pai amado; 2) Pai na ternura; 3) Pai na obediência; 4) Pai no acolhimento; 5) Pai corajoso; 6) Pai trabalhador; e, por fim, 7) Pai na sombra ou seja, «a figura de José, que é, para Jesus, a sombra na terra do Pai celeste», que o protege com a adequada distância e discrição e «segue os seus passos sem nunca se afastar d’Ele».

Não posso deter-me aqui em todos esses traços, mas permitam-me referir apenas o seguinte: neste último ponto 7, Francisco resume maravilhosamente os traços de uma sã e verdadeira paternidade, o que significa ser pai, começando por dizer de imediato: «Não se nasce pai, torna-se tal… E não se torna pai, apenas porque se colocou no mundo um filho, mas porque se cuida responsavelmente dele. Sempre que alguém assume a responsabilidade pela vida de outrem, em certo sentido exercita a paternidade a seu respeito. Na sociedade actual, muitas vezes os filhos parecem ser órfãos de pai. A própria Igreja de hoje precisa de pais» (itálicos meus) – não deixando aqui o Papa de aludir à atenção dos sacerdotes e dos bispos, responsáveis pela vida espiritual dos seus fiéis.

Vivemos uma nova época em que a figura do pai, e até a própria designação, é altamente contestada sobretudo pelos novos e radicais engenheiros sociais da extrema-esquerda, mas também com a cumplicidade, mais ou menos assumida ou cobardemente silenciosa, de algumas bandas socialistas, liberais e democráticas. Numa excelente crónica publicada pelo Observador, intitulada A crise de autoestima na era narcísica, da psicóloga Prof.ª Doutora Maria João Padrão, a carência ou ausência da figura do pai (ou de um seu válido e legítimo substituto) na evolução saudável da personalidade dos actuais «millenials e a designada geração Z», ficou muito claramente descrita; e eu até diria, denunciado o individualismo reinante onde a afirmação da autonomia pessoal se vai tornando um “direito” absoluto.

Como já atrás aludi, a figura do pai, naqueles traços comentados por Francisco, também se refere aos sacerdotes, que por esse motivo e justamente, são chamados Padres; e o que se diz para os padres, por maioria de razão, se deve aplicar aos bispos. Perante a tremenda crise que a Igreja Católica atravessa, sobretudo no mundo desenvolvido, de que os abusos sexuais e a homossexualidade praticados por alguns membros do clero é um dos mais graves epílogos, o exemplo da figura paterna de São José ainda se torna mais oportuna.

Num recente artigo de Michael Pakaluk, publicado no dia 27 de Abril passado no sítio The Catholic Thing, intitulado How the Year of St. Joseph Should Change Me, o autor reflecte sobre a figura de São José e interroga-se como é que o santo Patrono poderá ajudá-lo a melhorar o seu carácter e o modo como «abraça a fé e aborda a tarefa de ser um católico no mundo contemporâneo». E pergunta ao leitor: «Estas questões põem-se-lhe a si como uma urgência? Sente que há qualquer coisa talvez áspera e ferida, porventura uma espécie de sentimento de desespero, ou pelo menos de uma séria incompletude – ou para outros, algo perigosamente superficial e ignorantemente optimista – acerca da vida [da Igreja] Católica hodierna em geral, que está seriamente necessitada de reparação?» Afirmando desconhecer se alguém sentiu uma tal necessidade ou avançado com uma cura, admite o autor que tal tenha sido sentido pelo Papa Francisco. Mas se São José é a cura plausível, então, ignorar o que nos pode trazer agora este Santo, seria como que ignorar algo inspirado pelo Espírito Santo.

Curiosamente Michael Pakaluk prossegue o seu artigo, revisitando alguns traços de São José evidenciados na Carta Apostólica Le Voci (LV), do Papa João XXIII, que atrás citei. Começa com considerações sobre a felicidade, seguem-se outras sobre a serenidade, «inseparável do silêncio» e da discrição, recordando então estas palavras de João XXIII: «O Concílio Ecuménico não pede para sua realização e seu êxito senão luz de verdade e de graça, disciplina de estudo e de silêncio, paz serena dos espíritos e dos corações» (LV, 24). Infelizmente, em certa medida, os acontecimentos dos anos que se seguiram vieram contradizer aqueles desejos pontifícios. Pakaluk conclui referindo a doçura. «Felicidade, serenidade e doçura são atraentes – parecem um bom começo e são necessárias como reparadores», concorda ele. Mas acrescenta e conclui o seu artigo com duas observações ou avisos: 1) que esses mesmos traços estão na base e na raiz da inspiração do próprio Concílio Vaticano II, de modo que não podemos razoavelmente esperar que o Concílio atinja o seu objectivo sem eles; e 2) «estes traços de caracter não são susceptíveis de serem atingidos por precipitados actos de vontade, mas por hábitos de repouso na meditação jubilosa da verdade Católica e de nos mantermos livres dos pecados sérios».

Que todos nós pais e mães, todos nós educadores, todos os padres e todos os bispos de Portugal tenham a coragem de assumir as qualidades de São José de Nazaré para as quais o Santo Padre Francisco decidiu chamar a nossa atenção nesta hora da História. É tudo quanto desejo recordar e peço neste 1º de Maio a todos os trabalhadores não só “da vinha” (cf. Mt 21, 33-46; Mc 12, 1-12; Lc 20, 9-19), mas a todos os demais.