À medida que as forças russas continuam a atingir infraestruturas civis ucranianas com ataques aéreos, as forças ucranianas prosseguem a contra-ofensiva terrestre em Kherson, em Zaporizhia e no Donbass. O General Sergei Surovikin, novo comandante do exército russo na Ucrânia, anunciou hoje a evacuação dos civis de Kherson, numa manobra de preparação da opinião pública russa para a rendição a cidade.
A queda de Kherson é uma enorme derrota para a Rússia e é significativa por três razões. Primeiro, mostra a capacidade das forças ucranianas, que se revelam aptas a montar um cerco com esta dimensão e continuidade, neutralizando as linhas de defesa do exército russo. Segundo, Putin tinha feito da tomada da cidade um símbolo do sucesso da invasão russa, o bastião mais a sul do Império. Terceiro, a perda de Kherson representa a perfuração da frente Sul, na região com maior significado geoestratégico, pois não só põe em perigo a rota terrestre que Putin construiu entre a Rússia e a Crimeia, como põe em causa o controle russo das rotas de exportação da Ucrânia pelo Mar Negro, uma das estratégias de asfixia do estado ucraniano. O cenário de corte do acesso da Ucrânia ao Mar Negro parece hoje acabado.
O objetivo da evacuação forçada da população civil de Kherson para a Rússia, alvo de grande especulação na imprensa, parece estar ligado a uma estratégia de controle das perdas. Nesta guerra, o propósito de Putin não é apenas a expansão do território russo, mas também o aumento da população da Rússia. Assim, mais do que as preocupações humanitárias que Surovikin anuncia como razões para a deportação, parece ser a lógica do crescimento da população russa que explica esta prática.
Não admira, pois, o gáudio com que os ucranianos anunciam a eminente tomada de Kherson. Esta representa não só o contínuo reverso da dinâmica da guerra que foi iniciado pela reconquista de Kharkiv e da região circundante há um mês, como a manutenção da iniciativa estratégica pelo exército ucraniano. Apesar dos 50.000 novos soldados russos já destacados no terreno, o exército ucraniano mantém a superioridade nas quatro das frentes de batalha. Até ao início das chuvas de Outono, que se preveem para finais de Outubro, é pois provável que a frente ucraniana continue lentamente a avançar, nesta prolongada guerra de atrito – na Ucrânia, mas também indiretamente na Europa.