A poucos dias de se iniciar aquele que em Portugal se costuma designar como “o mês da liberdade” eis que os jornais voltam a encher-se de notícias que nos dão conta do regresso do “lápis azul” que já destruiu tantas democracias por esse mundo fora.

No ano passado foram muitos os que publicaram nas redes sociais textos a celebrar o facto de se ter ultrapassado em democracia o número de dias que vivemos em ditadura. Exactamente uma das grandes bandeiras da democracia é a de todos os cidadãos terem liberdade, serem livres de ouvir, ler e escolher quem os governa. A liberdade postula a democracia.

O 25 de Abril trouxe a Liberdade de Expressão, acabando com a censura institucional. Até essa altura, os textos que assumiam ser contra o regime eram logo riscados e deitados no lixo para que apodrecessem longe do conhecimento dos portugueses. Mas será que hoje, sinceramente, podemos dizer sem receios que a censura não regressará ao nosso Mundo Ocidental?

No Reino Unido, onde Enid Blyton escreveu as suas aventuras intemporais e onde Agatha Christie criou os mais intrincados mistérios policiais, foram agora impostas novas regras relativas ao acesso às suas obras e que impõem um espírito revisionista que adultera o que elas escreveram ao abrigo de uma pretensa “necessidade de as adaptar à realidade actual”.

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Julian, Anne, Dick, Georgina e Timmy, os famosos cinco adolescentes que acompanharam milhões de outros adolescentes ao longo de várias gerações, vão agora ser reinterpretados ao sabor dos novos costumes que impõem uma perspectiva alternativa do Mundo em que nascemos.

Aos saudosos autores, legítimos proprietários dos direitos de criação das suas personagens e histórias, será impossível pedir autorização para avançar com tais malfeitorias. Até porque estão mortos e enterrados e, por isso, a sociedade actual impõe que percam a liberdade que tiveram e todos os seus demais direitos. E, não se podendo obviamente defender, terão de aceitar esta liberdade que este novo Abril traz, de impor a todos as regras do que agora pode ser aceite.

Poderia ser pouco importante este estranho alinhamento onde dizem assentar as democracias. Mas, infelizmente, mais uma vez se comprova que a História é cíclica e esta estratégia de impor pseudo-liberdades a partir do controlo da liberdade dos outros, foi seguida vezes demais em diversos momentos que a nossa memória não pode esquecer.

Quem não se lembra do que aconteceu na Rússia em 1917? Quem pode esquecer o que aconteceu na Alemanha na década de 30? Quem ousa fechar os olhos à Itália fascista? Quem não ouve ainda os gritos lancinantes de todos aqueles que foram trucidados pelos regimes ditatoriais impostos na América do Sul? Quem não conhece o sofrimento imposto pela falta de liberdade na Coreia do Norte?

Quem, enfim, nunca ouviu dessas ditaduras as explicações dadas acerca da necessidade de formar os jovens de acordo os valores por elas definidas? E quem não deu conta das parecenças que têm estes argumentos com aqueles que agora usam para tentar explicar-nos o que vão fazer?

Nesses outros tempos e nesses outros lugares, também se alteraram livros, se queimaram textos e se destruíram ideias à sombra de um pretenso apelo à liberdade e à democracia. E todos terminaram com a morte e a destruição de civilizações inteiras.

Eu quero poder ser livre para não permitir que assim volte a ser!

É comum dizer-se a que a nossa liberdade termina onde começa a liberdade dos outros. Mas, para mim, tal como escreve Fernando Pessoa, Liberdade é “ter um livro para ler e não o fazer!”.