Por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, oficialmente atribuído a 3 de Maio, o PSD apresentou à Assembleia Municipal de Lisboa o respectivo voto de saudação. Ainda não foi discutido. Estamos quase chegados a Junho, mas os critérios que orientam o agendamento dos assuntos, o tempo atribuído à discussão, a prioridade que lhes dão na Ordem dos Trabalhos, e a urgência de se anteciparem aos outros ou serem sucessivamente atirados para as calendas permanecem um mistério. O documento do PSD cumprimentava a imprensa como ela devia existir. Lamentarei a imprensa como ela efectivamente existe. Falarei de liberdade e também de pluralidade, este direito a expressar, discutir, e ouvir todas as opiniões. Até porque a pluralidade é uma maneira de medir o grau de liberdade de expressão. Portugal não tem excesso de bons exemplos. Aqui, os principais jornais e televisões são subsidiados pelo Estado, e têm uma liberdade tolerada pelo governo; ou são subsidiados pelos grandes grupos económicos, e têm uma liberdade tolerada pelos accionistas. Se um grupo económico insiste em manter vivo e activo um jornal ou canal de notícias que dá prejuízo, ano após ano, milhões e milhões de prejuízo durante décadas, há interesses que não estão a ser explicados. Em Portugal, vemos que esses interesses coincidem com os interesses do Estado, ou seja, do governo, ou seja, da esquerda; e a opinião tende a tornar-se hegemónica.
A única maneira de garantir verdadeira liberdade de imprensa é pela viabilidade económica: o jornalismo deve conseguir viver das receitas dos leitores, em compras ou assinaturas; e das receitas da publicidade – sem contar com a chamada “publicidade institucional”, uma porta batoteira por onde o Estado entra no jornalismo, como aconteceu com os famosos 15 milhões que distribuiu durante a pandemia de Covid 19. E que o Observador teve a compostura de recusar, percebendo que essa “ajuda” comprometia a independência do jornalismo. A presença do Estado, ou dos seus bajuladores, limita a pluralidade na exacta medida em que impede os jornais portugueses de se apresentarem abertamente como de esquerda ou direita, uma excentricidade indicadora do nosso atraso quando comparados com Inglaterra, França, Itália ou os Estados Unidos, países de grande tradição e escola de jornalismo. Em Portugal todos querem ser “neutros”. E perante esta contradição nos termos – não existe jornalismo sem um ponto de vista – fazem de conta que são “completos”, uma fantasia herdada do dr. Salazar. Também ele dispensava os partidos, explicando que para isso existia a União Nacional onde estavam representadas todas as ideias e sensibilidades. Ainda hoje esta fantasia autoritária vive alimentando os constantes clamores por “consenso”.
Exagero? De maneira nenhuma. Tudo isto é confirmado pela entrevista exemplar que deram à jornalista Maria João Avillez, publicada aqui no Observador em Novembro de 2022, os directores de informação dos três principais canais televisivos. Desde logo, aceitaram dar a entrevista em conjunto, como se fossem colegas de empresa e não directores de canais teoricamente concorrentes. Podiam ter aproveitado para mostrar as diferenças; já agora, talvez o contribuinte temente a Deus conseguisse compreender a necessidade de sustentar três canais. Não aconteceu. Pareciam o coro de Santo Amaro de Oeiras, afinadinhos e concordando em tudo. Só discordaram da entrevistadora e de uma entidade colectiva que designaram por “colunistas do Observador”, a quem chamaram “paranóicos”.
Ou seja, não há pluralidade, o que há é mesmice. Basta ver os noticiários que estes peritos produzem todos os dias, iguais nos três canais, com as mesmas notícias, ao mesmo tempo, o mesmo alinhamento, olhadas da mesma maneira. Para quê? Para tornar ilegítima a diversidade, negando esquerda e direita – declaram que isso não existe em Portugal; visivelmente, só existem “moderados”, que são eles, e o Estado, e o governo. Ocultam uma parte do país, a parte dos “paranóicos”. Negam também que a sociedade portuguesa vive no mesmo espaço de discussão pública dos outros países, e merece discutir os assuntos nos seus próprios termos. E não a partir de uma escolha oficial muito reduzida, de assuntos tolerados pelo regime, todos abordados pelo mesmo ângulo.