Não existe nada mais perigoso na história do que lideres com um curto alcance estratégico, curta visão, sem capacidade de análise daquilo que pode vir na sua direção e do que isso pode significar para as vidas das suas nações e populações. Quando voltamos atrás na história, é possível ficarmos maravilhados com a diversidade de lideres com capacidade que existiram, nas várias eras e geografias.

Harry Truman dificilmente é um dos presidentes americanos mais memoráveis para a generalidade das pessoas, mas é certamente um dos principais arquitetos da atual ordem que vivemos. Truman foi influenciado por um diplomata americano na URSS, chamado George Kennan. Kennan era um especialista em história da Rússia e nas relações dos soviéticos com os EUA. Mais do que isso, Kennan era um amante de tudo o que simbolizava a Rússia, a sua história, arte, música, falava e entendia russo. Em 1946, ainda as cinzas da II Guerra Mundial assentavam, e Kennan enviaria um telegrama com 8 mil palavras para o Presidente Truman, algo que pela sua dimensão não era usual (e até considerando que Kennan não era o embaixador). Kennan estaria irritado com a política americana para com a URSS, ainda bastante influenciada pela aliança para derrotar Hitler, pelo que tomou a iniciativa e redigiu este longo telegrama, dividido em 5 partes, estando bastante receoso para que não fosse lido por mais ninguém que Truman e a sua equipa. A principal advertência seria a política de expansão de Moscovo, que ameaçava engolir a parte oriental da Europa, sendo que, mais tarde ou mais cedo, o sistema capitalista, da democracia liberal e das suas respectivas liberdades, seria confrontado com a ideologia comunista. Seria inevitável.

Poucos anos depois, nasce a Doutrina Truman, onde está incluído o Plano Marshall, que irá permitir a reconstrução da Europa. Mais que isso, nascem as principais organizações de inteligência americana (exemplo da CIA) e o Departamento de Defesa torna-se num gigante complexo, englobando não só o exército, mas também a marinha e a recém formada força aérea. Há que entender que as somas de investimento e a mudança drástica de orientação política só foram possíveis devido a uma forte convicção e visão estratégica. O início do contrabalanço dos americanos em relação aos soviéticos começou com Truman e permitiu que este se transformasse de um Vice-Presidente relativamente desconhecido (ainda por cima, de um dos maiores presidentes americanos de sempre, Franklin D. Roosevelt), para um dos “near-geat presidents”, de acordo com os historiadores.

Não foi apenas Truman que conseguiu perceber a ameaça soviética para os valores ocidentais, mas também Churchill, que, já depois de deixar de ser Primeiro-Ministro britânico, fala da famosa cortina de ferro, precisamente num discurso em solo americano, no Missouri. Churchill, depois da queda do III Reich, também tinha ficado obcecado com o comportamento de Estaline e as movimentações dos russos na Europa. Foi até acusado de desconsiderar a política interna do Reino Unido, a braços com crises económicas, para se concentrar apenas nas suas aventuras externas. Mas Churchill tinha razão. O financiamento dos soviéticos a partidos comunistas europeus e a eliminação de quaisquer adversários destes começou a ter resultados, principalmente na Europa do Leste. A estratégia de homens como Truman, Churchill ou mesmo a visão de Kennan, são elementos que hoje devemos ter em conta para reflexão.

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Um dos primeiros conflitos da Guerra Fria foi a guerra civil na Grécia, onde a URSS financiava os comunistas gregos por forma a avançar com a cortina de ferro pelo mediterrâneo oriental. O envolvimento de Churchill e dos americanos foi crucial para que as forças soviéticas não tivessem sucesso. O objetivo era claro, avançar a influência soviética, e em alguns casos a fronteira soviética, pela Europa. Foram cometidas atrocidades na Grécia, mas as forças resistentes conseguiram vencer o conflito com os comunistas gregos, que se refugiaram na Albânia. Este envolvimento não era possível sem essa visão poucos anos antes, e essa capacidade de adaptação em relação à sua política para com Moscovo. Estava assim, iniciada a primeira de muitas guerras “proxy” travadas entre aliados/satélites dos russos e dos americanos. A cortina de ferro não avançou além da Alemanha Oriental porque este contrabalanço foi pensado anos antes, o que fez com que medidas fossem tomadas e resultados concretos fossem alcançados, como o falhanço dos partidos comunistas de França e Itália, por exemplo.

Já que, na atualidade, muitos traçam comparações entre a Guerra Fria e o atual conflito na Ucrânia, acho demais relevante trazer para a discussão as origens, não da Guerra Fria, mas da reação em relação à expansão da URSS. A Rússia está a fazer aquilo que sempre fez geopoliticamente, criar a maior distância possível entre Moscovo e os poderes da Europa Ocidental. Este traço comum nos vários momentos da Rússia foi acelerado pela adesão à NATO de anteriores países influenciados pelos russos/soviéticos. Putin não tem a carga ideológica da URSS ou de Estaline, mas tem a mesma visão estratégica e de conjuntura. Mesmo tendo em consideração que erros graves foram cometidos, principalmente pelos americanos, ao serem incapazes de juntar a Rússia nas conversações sobre a segurança na Europa, agora será tarde demais para voltar atrás, ao que era a Rússia em 2003 ou 2004. Tendo isto em conta, aquilo que devemos fazer hoje é formular a visão estratégica e saber antecipar o que aí vem.

Em Portugal (e considerando a sua quase insignificância geoestratégica neste conflito), os homens que nos lideram não estão a demonstrar essa capacidade, são homens sem visão. António Costa e Rui Rio discursam na Assembleia da República como se o mundo estivesse igual, falando nas mesmas questões de há 4 ou 5 anos atrás. A digitalização, a emergência climática, o combate às desigualdades foram temas debatidos nas últimas legislaturas, quando a conjuntura internacional era completamente diferente. Essas metas são muito importantes, mas já estão presentes no programa governamental há muito tempo, estão em execução, não são novidade nem fazem parte de uma nova visão que tenha em consideração um mundo muito mais inseguro, instável, imprevisível e muito mais perigoso. Rui Rio, muito ao jeito do que foram os seus mandatos no PSD, não foi mobilizador, esteve desinspirado, abordou temas pouco convenientes para o tempo atual, revelando uma total incapacidade para ressuscitar o principal partido da oposição do estado de letargia em que se encontra.

Tempos como os atuais deveriam inspirar os lideres nacionais, tal como inspiraram personalidades do passado. Não é tempo de política pequena, de números, mas de política de valores, de sentido filosófico, do modo de vida que ambicionamos ter. A principal plataforma internacional em que Portugal está inserido é a União Europeia e, como segunda, a NATO. Se não existe uma clara visão do papel de Portugal, e a capacidade de se preparar para o que poderão ser os desafios do país dentro dessas organizações e na arena internacional, quem sofre sempre será o povo. O povo português, como sempre, irá sofrer pela constante incapacidade dos seus lideres.