No início de 2024, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) anunciou o arranque de um projecto de “retirada de cabos “mortos” dos edifícios”. Tratava-se do “Lisboa sem Fios” e iria arrancar em duas zonas piloto que serviriam como teste para toda a cidade: Av. Fontes Pereira de Melo, em Arroios e Av. da Igreja, em Alvalade.
O projecto implicava a ligação com três operadores de telecomunicações e previa a remoção de cabos “mortos” em postes e edifícios, assim como a transferência de cabos “activos” para o subsolo. A intenção era a de “contribuir para a melhoria da imagem da cidade, incentivar a conservação e a valorização do edificado, e, paralelamente, modernizar a infraestrutura de telecomunicações e melhorar a qualidade do serviço prestado” (palavras da Vereadora Joana Almeida).
Contudo, recentemente, inquiri a Junta de Freguesia onde moro (Areeiro) sobre se saberiam algo deste projecto e se iria avançar em breve para a freguesia tendo recebido a indicação de que o projecto se encontrava “parado”.
Apesar do proclamado em inícios de 2024 não houve remoção de cabos na em Arroios nem na Av. da Igreja, em Alvalade. Mas, em Outubro, a “Lisboa sem fios” estava no Bairro Azul com o objectivo de “remover cerca de 10 Km de cabos inativos nas ruas Fialho de Almeida, Ressano Garcia e Ramalho Ortigão e nas frentes para a Av. António Augusto de Aguiar, Rua Marquês de Fronteira e Rua Dr. Júlio Dantas.” A publicação da CML no Instagram refere que “o objetivo deste projeto da Câmara de Lisboa é remover cabos e equipamentos elétricos e de telecomunicações das fachadas dos edifícios, alargando a iniciativa a toda a cidade. Começou pela Avenida da Igreja e já passou pela Parada do Alto de São João, Avenida Fontes Pereira de Melo, São Sebastião e Largo do Conde Barão.” Mas na Avenida da Igreja esses cabos ainda existem. Assim como na Parada do Alto de São João e no Largo do Conde Barão ainda encontrámos estas cablagens em profusão.
De sublinhar que, em janeiro de 2024, a CML fez saber que estaria a preparar uma revisão do Regulamento de Infraestruturas em Espaço Público, designadamente através da introdução da necessidade de “eliminação de cabos sem utilização efetiva das fachadas (cabos “mortos”) e a transferência de cabos ativos para o subsolo.”
Contudo, no “Manual de Espaço Público” da CML (de 2018) já se podia ler: “remoção de cabos, equipamentos ou quaisquer elementos das redes de comunicações electrónicas. Os cabos, equipamentos ou quaisquer elementos das redes de comunicações eletrónicas que não estejam a ser efetivamente utilizados e cuja utilização não esteja prevista no período de 1 ano seguinte, independentemente da sua localização ou alojamento devem ser removidos.”
Não há – tanto quanto sei – este registo cronológico dos cabos sem uso. Felizmente, existe o Google Street View, que, por exemplo aqui, permite constatar há quanto tempo (mais de um ano) um cabo de comunicações se encontra desligado.
É este manual de 2018 que nos indica que “Quando sejam detectadas infraestruturas sem utilização, nomeadamente cablagens instaladas em fachadas, com prejuízo para o interesse público, nomeadamente para o arranjo estético do edifício ou para a qualidade da paisagem urbana, a Câmara Municipal, comunica a situação ao ICP-ANACOM e pode intimar à realização de obras de conservação, com remoção das cablagens, de acordo com legislação em vigor (artigo 89.º do RJUE).”
Ou seja, desde 2018, que a CML pode – através dos seus serviços – exigir aos operadores de comunicações a remoção destas cablagens sem investir em nenhum projecto específico com custos para o município e para os contribuintes.
Se virmos a lista de imóveis de Interesse Público, facilmente encontraremos vários edifícios protegidos onde a cablagem de comunicações não respeita o manual (p.ex. o “Edifício de Habitação na Rua das Janelas Verdes, 70-78” ou a “Quinta dos Lagares d’El Rei”, na “Rua Moura Girão, 2-2A; Rua Moura Girão, 2B-2G”).
Se assim é, porque é que – pelo menos nestes imóveis de interesse público – a CML não cumpriu o texto do seu próprio manual? “A Câmara Municipal de Lisboa notifica o proprietário do edifício ou, no caso de não se tratar de infraestruturas que pertençam ao proprietário do edifício ou ao condomínio (é o caso), a entidade titular ou gestora da rede de comunicações eletrónicas, para proceder aos trabalhos de remoção das cablagens necessários à conservação e arranjo estético do edifício” chegando o manual ao ponto de determinar um “Prazo para remoção de
cabos e equipamentos” e indo-se ao detalhe do que se quer instalar como alternativa: “todas as redes aéreas ou as instaladas à vista em fachadas de edifícios, pelos operadores de comunicações eletrónicas, de energia elétrica ou outros, terão que ser removidas pelas concessionárias, passando-as para as redes subterrâneas através da opção entre as seguintes soluções: ITUR, caleiras / galerias técnicas ou multitubos municipais; Nova infraestrutura de comunicações eletrónicas a executar pelo(s) operador(es) nos passeios ou vias, consoante a zona da cidade; Sistemas de drenagem de águas residuais municipais com 500 mm; Acesso a infraestruturas de comunicações eletrónicas já existentes do(s) operador(es).”
O manual refere também que “as entidades titulares ou gestoras de redes ou infraestruturas estão obrigadas à remoção de cabos, equipamentos ou quaisquer elementos das suas redes que não estejam a ser efetivamente utilizados” (de sublinhar que em alguns edifícios a quantidade de cabos desligados é superior à de cabos ligados!). Se existir inércia por parte dos operadores, se a CML não lhes aplicar coimas, o manual indica que a autarquia pode intervir coercivamente “por forma a dar cumprimento ao Manual de Infraestruturas de Telecomunicações em Edifícios (ITED) e ao RMUEL”.
Assim sendo, que sentido faz o projecto de “retirada de cabos “mortos” dos edifícios” anunciado no início de 2024 e de execução tão lenta e hesitante? As regras, os regulamentos e os procedimentos já existem desde 2018! Basta seguir e executar.
Nota final: Sei de vários condomínios que contactaram todas as operadoras de comunicações exigindo-lhe que removessem nos seus edifícios os cabos sem uso (coisa que estes fizeram) e de outros (alguns do Estado) em que os obrigaram a passar toda a cablagem exterior por calhas: o que também fizeram. Se mora em Lisboa, se tem condomínio: faça o mesmo.