Retomando a clássica tradição de sugerir leituras para férias nas duas últimas crónicas de Julho (antes do intervalo de Agosto), começo hoje com livros em inglês — para na próxima segunda-feira sugerir algumas obras em português.

A minha primeira sugestão vai para um livro de certa forma divertido, ainda que de grande rigor académico. Chama-se Foretelling the End of Capitalism: Intelectual Misadventures since Karl Marx, de Francesco Boldizzoni (Harvard University Press, 2020). É divertido porque recorda os inúmeros autores que previram ‘cientificamente’  o fim do capitalismo — a começar pelo patético ‘profetismo oracular’ (expressão de Karl Popper) do muito hegeliano Karl Marx. Mas é simultaneamente muito eloquente, porque recorda que a hostilidade contra o chamado ‘capitalismo’ tem profundas raízes iliberais  — numa certa esquerda, seguramente, mas também numa certa direita. 

Não foi puramente por acaso que comunismo, fascismo e corporativismo se encontraram na Europa continental nos anos 1920-40 numa guerra comum contra as democracias parlamentares e as economias de mercado — a que todos chamavam com ódio “oligarquias capitalistas”. Isto nunca aconteceu, receio ter de recordar, entre os povos de língua inglesa — que sempre associaram ‘capitalismo’ com democracia parlamentar pluralista e que nunca tiveram partidos comunistas e/ou fascistas com expressão parlamentar.

A minha segunda sugestão vai para “Cynical Theories: How Activist Scholarship Made Everything about Race, Gender, and Identitiy — and Why This Harms Everybody, por Helen Pluckrose e James Lindsay ( Pitchstone, 2020). Trata-se de imponente diagnóstico das origens intelectuais da actual ideologia “woke” — e da suas muito antigas raízes na ancestral hostilidade iliberal (sobretudo de esquerda, mas também de alguma direita) contra as sociedades livres, a que eles também chamavam, e continuam a chamar, ‘capitalistas’.

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Esta mesma ancestral hostilidade contra o Ocidente liberal é o tema de The Dragons and the Snakes: How the Rest Learned to Fight the West, de David Kilcullen (Hurst, 2020). O autor é um académico (da Universidade de New South Wales, em Canberra, Australia) e foi também  conselheiro de “counterinsurgency” (além de um dos ‘100 Top Gobal Thinkers’ da revista Foreign Policy em 2009). Este livro tem a vantagem de nos alertar para a séria convergência anti-ocidental (não necessariamente, mas também não impossivelmentre, centralmente manipulada) do comunismo chinês, do fundamentalismo islâmico, do nacionalismo russo — bem como do ódio anti-ocidental da “cancel culture” woke entre nós. Curiosamente, todos são também ‘anti-capitalistas’.

Finalmente, dois livros fundamentais sobre este tão globalmente odiado ‘capitalismo ocidental’. Começo por Commerce and Manners in Edmund Burke’s Political Economy de Gregory M. Collins (Cambridge, 2020). Trata-se de um estudo eloquente sobre Burke e sobre aquilo que poderíamos designar por “terceira via” do conservadorismo liberal de língua inglesa: a favor das virtudes morais e simultaneamente a favor do mercado livre e da liberdade espontânea da sociedade civil. Por outras palavras, contra a infeliz dicotomia da revolução francesa entre dirigismo ‘iluminado’ estatal e ordem espontânea da sociedade vivil.

Nesta matéria — de uma terceira via conservadora-liberal-capitalista-trabalhista — a minha escolha maior vai para o livro (que já aqui referi) da francesa Catherine Marshall: Political Deference in a Democratic Age: British Politics and the Constitution from the Eighteenth Century to Brexit (Palgrave/Macmillan, 2021). Trata-se de um distinto estudo académico sobre o mistério dos povos de língua inglesa — como conseguiram fazer todas as revoluções da era moderna, sem recurso à Revolução, (para recordar a famosa frase de Elie Halévy, tão preferida por Gertrude Himmelfarb).

A conjectura de Catherine não é muito diferente da de Edmund Burke: respeito pelo Parlamento e por boas maneiras — que são espontaneamente geradas por economias de mercado e por sentido de honra e dever, inspirado na tradição moral europeia e ocidental, enraizada no diálogo pluralista entre Atenas, Roma e Jerusalém .