O Regresso das Ditaduras? de António Costa Pinto (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021) é a minha primeira sugestão de leitura para férias em língua portuguesa (como é tradição, na semana passada sugeri obras em língua inglesa). Trata-se de um breve ensaio (96 páginas) — como é timbre da colecção “Ensaios da Fundação”, em que se inscreve — de leitura agradável e estimulante. Num sereno tom académico, mas acessível, aborda um dos grandes problemas políticos da época actual: a tribalização crescente do debate político no interior das democracias liberais e o surpreendente regresso do apelo de propostas autoritárias e colectivistas de sinal contrário — isto é, à esquerda e à direita.
Creio que se trata de um livro a ler com atenção — bem como com alguma preocupação — numa altura em que reaparecem entre nós os fatais atavismos anti-liberais e anti-‘capitalistas’ que martirizaram o continente europeu nos anos 1920-40.
Ainda com a mesma preocupação anti-autoritária, embora num registo muito diferente, sugiro Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente, de João Céu e Silva (Contraponto, 2021, 3ª edição). O livro baseia-se em 42 (!) conversas do autor com Vasco Pulido Valente, que tiveram lugar entre 15 de Outubro de 2018 e 20 de Janeiro de 2020. O registo é jornalístico, não académico, e talvez por isso capta de forma muito envolvente a personalidade singular de Vasco Pulido Valente. O texto é por vezes excessivo, outras vezes quase caótico, muitas vezes estimulante e, no conjunto, deveras tocante. (O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa terá dito, segundo anuncia a capa do livro, que o leu ´de um fôlego’. Com o devido respeito, terei de dizer que também foi o meu caso).
Ao longo das 294 páginas, fica patente o compromisso fundamental de Vasco Pulido Valente para com a liberdade pluralista ocidental — bem como o seu supremo desprezo (elitista, segundo alguns, o que para mim não é necessariamente um defeito) pelos atavismos autoritários, colectivistas e populistas, de esquerda ou de direita. Vasco refere inúmeras vezes que aprendeu esse desprezo soberano pelos autoritarismos de esquerda e de direita na cultura política de língua inglesa. É simplesmente tocante a forma como refere a sua experiência em Oxford, onde fez o doutoramento, bem como o carinho com que recorda Adérito Sedas Nunes, fundador do ICS: “As melhores batalhas foram ao lado de Adérito Sedas Nunes… Foi ele que me fez, que me tirou do poço e disse ‘venha aqui, que eu ajudo-o.´(p. 29).
Ainda num sereno registo liberal-democrático e anti-tribal, recomendo também enfaticamente Crónicas Constitucionais: Reter o tempo em palavras, de Jorge Pereira da Silva (Universidade Católica Editora, 2021) com Prefácio de Maria da Glória Garcia. Trata-se de uma colectânea de artigos publicados pelo autor na imprensa nacional entre Abril de 2016 e Março de 2021 — sobretudo no Jornal Económico (onde mantém uma crónica regular), mas também noutros jornais (incluindo o Observador).
Como explica o autor, há ao longo da obra “pelo menos uma preocupação transversal: os desafios que a democracia e o Estado de Direito enfrentam — um pouco por todo o mundo ocidental, mas com particular enfoque no caso português —, decorrentes da ameaça populista e do novo habitat mediático e tecnológico em que se desenvolve.”
Em seguida, Miguel Morgado propõe-nos uma vasta e muito estimulante obra académica sobre Soberania: dos seus usos e abusos na vida política (D. Quixote, 2021). O autor sustenta que “a noção de soberania conduz e divide o Ocidente há pelo menos quatrocentos anos.” Este é o ponto de partida para uma desafiante viagem pela história das ideias políticas até aos nossos dias, culminando no projecto europeu.
Outra recomendação de leitura vai para o livro de Paulo Rangel, As raízes do parlamentarismo e a revolução conservadora (edição do autor com apoio do Grupo do Partido Popular Europeu, 2021). É também um sereno ensaio sobre a chamada Gloriosa Revolução Inglesa de 1688-89, tão ignorada entre nós. Inesperadamente, o autor considera que “deste ensaio sobre a afirmação e sedimentação do parlamentarismo britânico se desenham trilhos para a União Europeia”. Na apresentação do livro — no Centro de Estudos Europeus do IEP-UCP, em Lisboa em Maio passado — emergiu um muito estimulante debate entre o autor e José Manuel Barroso, director daquele Centro de Estudos Europeus, sobre o passado, presente e futuro do projecto europeu.
Finalmente, uma referência necessariamente breve a um grande evento editorial: D. Maria II: de princesa brasileira a rainha de Portugal (Museu da Presidência da República/Palácio Nacional da Ajuda, 2021). A obra, de 410 páginas, é apresentada como catálogo da exposição que assinala os 200 anos do nascimento de D. Maria II e que pode (e a meu ver deve) ser visitada no Palácio Nacional da Ajuda. Trata-se seguramente de um “catálogo” muito especial: além de reproduzir com grande qualidade as obras em exposição, o livro inclui excelentes ensaios de distintos historiadores — como José Miguel Sardica (Comissário da Exposição) e Maria de Fátima Bonifácio, entre outros. A abrir, uma breve e eloquente mensagem de Marcelo Rebelo de Sousa.
Boas leituras e boas férias. Conto regressar a estas páginas na segunda-feira, 30 de Agosto.