Inicio hoje, nesta primeira segunda-feira de Agosto e previsivelmente nas próximas quatro, uma breve série dedicada a livros para férias. Receio que todos os livros que vou mencionar tenham alguma relação, directa ou indirecta, com a grave perturbação cultural e política que o mundo atravessa. Receio também que uma boa parte dessa perturbação tenha alguma relação, directa ou indirecta, com o declínio da auto-confiança e da memória do Ocidente.

Começo por The Closing of the Liberal Mind: How groupthink and intolerance define the left (New York: Encounter Books, 2016). Trata-se de um belo livro de Kim R. Holmes, “Distinguished Fellow” e antigo vice-presidente da Heritage Foundation, em Washington — uma das Fundações norte-americanas mais directamente associadas aos saudosos Ronald Reagan e Margaret Thatcher.

O tema central do livro é a emergência de um novo tipo de esquerda na América, a que o autor chama — quanto a mim, muito apropriadamente — “esquerda pós-moderna”. Esta “nova esquerda” está patente nas entusiásticas hostes de jovens com educação universitária (sempre sem gravata e preferencialmente de T-shirt, jeans, ténis ou chinelos) que aclamaram (e continuam a aclamar) o ex-candidato Bernie Sanders. São eles que dominam hoje os campus universitários norte-americanos (e britânicos, para não vir mais perto).

Exigem censura sobre todas as opiniões que consideram politicamente incorrectas. Atacam a civilização ocidental, que acusam de racista, capitalista, machista e destruidora do ambiente. Denunciam as chamadas “elites”, em que incluem os empresários, os políticos eleitos (mas não os “militantes”), e em geral todas as instituições: militares, religiosas, universitárias, judiciais ou outras.

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Da esquerda clássica, sobretudo da esquerda colectivista clássica, esta nova esquerda pós-moderna reteve as exigências de sempre mais controlo estatal sobre a economia e a sociedade. O Estado não deve obedecer apenas a regras gerais, o que é denunciado como “burguês”. Deve ter propósitos específicos: a obtenção da igualdade de resultados económicos e a uniformização dos comportamentos designados como “progressistas”.

Os comportamentos progressistas são os que rompem com o passado ou a tradição. São os que proclamam a total “libertação” do indivíduo relativamente a todas as limitações morais, culturais e institucionais sobre o capricho da vontade sem entrave. O Estado deve impor essa “libertação” a todos os que não concordam com ela: querem o aborto gratuito a pedido, o chamado “casamento” gay, e até a mudança de sexo gratuita e a pedido. (Há agora também uma curiosa discussão sobre casas de banho mistas, que receio não ter seguido em detalhe). Recusam o mais elementar direito “burguês” de objecção de consciência — quer por parte de indivíduos, quer por parte de instituições, sobretudo se forem de inspiração judaico-cristã.

Kim Holmes descreve exemplarmente todos estas crenças da nova esquerda pós-moderna, bem como o fanatismo com que elas são defendidas. Mas faz mais do que isso. Numa elegante investigação sobre história das ideias políticas, tenta descobrir as suas contraditórias origens intelectuais. E detecta uma curiosa e improvável mistura entre a esquerda radical e a direita radical.

Do lado da esquerda radical, Kim Holmes encontra o fanatismo da igualdade, em regra associado ao ateísmo. Detecta as suas origens em Karl Marx e, antes dele, naquilo que designa como ala radical do Iluminismo — onde inclui Espinoza, Rousseau e Diderot. E contrasta essa ala radical com o Iluminismo moderado e até conservador de John Locke, Adam Smith, Edmund Burke e, no caso americano, sobretudo James Madison e John Adams.

Do lado da direita radical, Kim Holmes encontra um outro fanatismo, que caracteriza como pagão e anarquista. Detecta as suas origens no contra-Iluminismo radical do irracionalismo pagão de Nietzsche e Heidegger, retomado no final do século XX pelo pós-modernismo anarquista de Derrida, Lyotard e Foucault.

Kim Holmes assume-se como conservador americano — aquilo que na Europa seria talvez designado por uma direita liberal com forte inspiração judaico-cristã. Tem portanto grandes clivagens relativamente à tradição da esquerda americana — a que os conservadores americanos chamam tradição liberal (e que, na Europa, corresponde em parte à esquerda social-democrata ou socialista democrática, isto é, não comunista).

É por isso particularmente reveladora uma das teses centrais do conservador Holmes: a de que a nova esquerda pós-moderna representa uma grave ruptura com a esquerda liberal (ou social-democrata, em linguagem europeia) tradicional. Holmes recorda que conservadores e liberais tradicionais (direita e esquerda moderadas, em linguagem europeia) sempre divergiram saudavelmente sobre um chão comum.

Direita e esquerda moderadas acreditavam em algum sentido de dever superior aos caprichos de cada um (embora discordassem sobre as origens e os contornos exactos dos deveres); acreditavam ambas na virtude da tolerância, acompanhada da fé na existência de padrões objectivos de Bem, de Verdade e de Beleza — que podiam ser gradualmente descobertos e aperfeiçoados através do diálogo racional entre pontos de vista rivais; acreditavam ambas nas raízes ocidentais da liberdade ordeira; e ambas acreditavam nas raízes plurais do Ocidente em Atenas, Roma e Jerusalém (embora discordassem sobre o relevo do contributo de cada uma) .

Sobre esse chão comum, recorda Holmes, cresceu a moderna experiência liberal e democrática, reformista e não revolucionária, do Ocidente. Sem esse chão comum, alerta ele, a democracia liberal estará em risco. Trata-se de um sério alerta — que deve ser levado a sério, quer pela esquerda quer pela direita moderadas.