1 Em dois recentes fins de semana, tive o prazer e o privilégio de participar em duas conferências académicas, uma no St. Antony’s College, Oxford, outra no Churchill College, Cambridge (“The other place”).

Foi uma dupla sensação de regresso aos bons velhos tempos. O jantar de encerramento no St. Antony’s foi de smoking (ainda que “não obrigatório”); vinho do Porto foi servido sempre após os jantares, tanto em Oxford como em Cambridge (ainda que, ao almoço, apenas fosse servida água – o que Winston Churchill certamente não aprovaria). E, além disso, um agradável e estimulante pluralismo de opiniões foi servido ao longo dos inúmeros painéis.

2 Na conferência do Churchill College, por exemplo, um orador sublinhava a dedicação dos textos de Churchill à defesa da liberdade. Logo a seguir, outro orador observava que todos os textos de Churchill revelavam sobretudo um profundo narcisismo.

A seguir, ambos concordavam enfaticamente que Churchill liderara a resistência euro-atlântica contra os totalitarismos rivais e irmãos do nazi-fascismo e do comunismo.

3 Outro ponto enfaticamente comum foi o apoio à resistência ucraniana contra a bárbara invasão czarista-comunista pela Rússia. Talvez mais surpreendentemente para alguns terá sido o enfático apoio à União Europeia e à aliança ocidental euro-atlântica.

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Estava patente que alguns oradores eram favoráveis ao Brexit, enquanto outros, talvez uma expressiva maioria, eram contra. Mas todos eram a favor da aliança euro-atlântica contra a ameaça soviética e, também muito enfaticamente, contra a ameaça do imperialismo comunista chinês.

4 Outra dimensão muito significativa foi a ênfase comum na importância da participação das mulheres na vida cívica, intelectual, profissional e política.

Foi oportunamente recordado que Churchill tinha sido inicialmente contra o direito de voto das mulheres. Mas que rapidamente mudara de opinião e passara a ser a favor. Quando uma sufragista o desafiou perguntando por que motivo mudara de opinião, Winston terá ripostado: “Mudei de opinião quando percebi que elas podiam votar em mim”.

Houve também intervenções recordando que o Império Britânico – que Churchill tanto defendera – tivera sérios elementos de discriminação e opressão racial. Em tom cordato, outros intervenientes reconheceram isso mesmo, ao mesmo tempo que recordavam que o mesmo Império Britânico liderara a condenação internacional do esclavagismo e da discriminação racial – e que isso tinha sido produto de fortes campanhas cívicas no interior da democracia liberal britânica.

5 Em suma, ao fim dos dias, era patente que tínhamos estado a presenciar vozes discordantes sobre temas cruciais. Mas também era patente que essas vozes se respeitavam mutuamente e que mutuamente celebravam a possibilidade de manter entre si um diálogo pluralista e civilizado.

6 Talvez me seja ainda permitido recordar que, no intervalo das conferências de Oxford e de Cambridge, residi como habitualmente no Oxford and Cambridge Club de Londres.

Aos almoços e aos jantares, todos estavam de casaco e gravata (ou de bow tie, como era o meu caso). Um jovem de casaco e gravata foi polidamente convidado a sair por se encontrar de sapatos de ténis. Também ninguém usava mochilas ou sacolas – que têm de ser deixadas à entrada do Clube.

Os actuais revolucionários da chamada esquerda e da chamada direita certamente denunciariam aqui a “ditadura elitista” do clube das “elites” de Oxford e Cambridge. Só que, à entrada da sala de jantar, estão em escaparate todos os jornais britânicos – da chamada “direita” à chamada “esquerda” – e todos os membros são igualmente convidados a escolher livremente o seu jornal para acompanhar a refeição… de casaco e gravata e sem sapatos de ténis.

7 Em suma: os revolucionários da esquerda e da direita falam hoje em conjunto, como aliás sempre fizeram no passado, da “ditadura das elites sobre o povo”. Mas, a única “ditadura” que observei em Oxford e em Cambridge foi a das boas maneiras – as chamadas regras gerais de boa conduta, a que o saudoso Karl Popper chamava regras gerais de gentlemanship, que desde sempre protegeram e garantiram o pluralismo e a concorrência civilizada nas democracias liberais.