Em tempos difíceis, governos procuram vitórias fáceis. E rápidas. O foco vira-se para as low-hanging fruits.
São as soluções simples e com impacto: aqui à mão de semear, com resultados deliciosos pela visibilidade. A razão de as promover nem sempre é o desespero ou demagogia, manter o foco inicial nas frutas baixas aumenta a motivação; outras vezes, apenas adia as empreitadas.
O acordo ambiental europeu Fit for 55 foi o caso de uma fruta baixa escolhida a dedo pelos 27, e não surpreende que assim tenha sido, o desgaste da pandemia obrigava a vestir o acordo como uma ideia e não um roteiro rigoroso. Afinal, os planos nunca têm o entusiasmo e visibilidade das ideias.
1 Ajustamento carbónico fronteiriço
A ZERO divulgou a avaliação do acordo europeu, em nota breve, e considera que reduzir 55% das emissões até 2030 é insuficiente para limitar o aumento global de temperatura até 1,5°C acima dos valores pré-industriais. É uma avaliação subjetiva compreensível, mas a ZERO faz interpretações precipitadas do Fit for 55:
“A introdução de um esquema de Comércio de Emissões para edifícios e transportes, ao mesmo tempo em que mantém licenças gratuitas de CO2 para a indústria.”
Não é verdade. O compromisso do Fit for 55 prende-se justamente com a eliminação gradual das licenças gratuitas de CO2 a partir de 2026. É importante recentrar as discussões no mesmo conjunto de factos, e por isso, a hesitação está em saber se 2026 não será demasiado tarde, não na falta de compromisso.
Explicação: O Sistema de Comércio de Licenças de Emissão é a principal política da UE de combate às alterações climáticas. É um mercado de transação de licenças que (1) assegura a estabilidade de preços e (2) estabelece um limite máximo de licenças de emissões de gases com efeito de estufa.
Em determinados setores, as licenças são distribuídas gratuitamente para desincentivar a fuga de empresas com produção de intensidade carbónica elevada para fora da UE. É uma resposta eficaz, porém desencoraja investimentos verdes, acima de tudo na indústria intensivista, onde há distribuição de licenças gratuitas. A solução? Mais protecionismo.
É justamente a novidade do Acordo – o Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço -, que, a partir de 2026, obrigará os importadores da UE a comprar certificados correspondentes ao preço do carbono que teria sido pago caso os produtos fossem de origem europeia. Isto é, a tentativa de deslocar a produção para fora da UE, evitando normas ambientais rigorosas, cai em saco roto. O Mecanismo Fronteiriço aplicar-se-á inicialmente a produtos com elevado risco de fuga de carbono, a maioria indústria pesada (ferro, aço, cimento, fertilizantes, alumínio), ao mesmo tempo que as licenças gratuitas para estes setores são gradualmente eliminadas. E assim nivela-se o campo de jogo com países terceiros, que ficam obrigados a reestruturar a produção para uma mais sustentável.
Por isto, e ao contrário do que a ZERO indica, o Acordo prevê acabar com as licenças gratuitas de CO2 para a indústria.
Agora, resta entender o motivo do compasso de espera até 2026 para a introdução do Mecanismo Fronteiriço e da eliminação definitiva das licenças gratuitas, até porque a meta de redução de 55% das emissões é já para 2030.
Uma parte da resposta está na desejável implementação harmoniosa de um sistema de informação de produtos poluentes que sirva de diálogo com países terceiros.
A outra é um simples reflexo das dores de crescimento da União Europeia por continuar a assumir-se, ano após ano, líder mundial na transição climática (a surpresa, e eu diria agradavelmente, é mesmo a de Boris). A UE está hoje mais receosa em prosseguir políticas ambientais desregradamente ambiciosas, confrontando-se com compromissos económicos que outros países não estão preparados para assumir. Ser o primeiro em tudo acarreta riscos, e a falta de medidas voltadas para a indústria pesada até 2026 (onde se inclui a matéria-prima da galinha de ovos de ouro da Europa – o aço para os automóveis) é o sinal disso mesmo.
E somos os únicos nisto. Xi Jinping assegurou uma China carbonicamente neutra em 2060, mas sem compromissos intermédios a 10 ou 20 anos, 2060 tem pouco significado. Portanto, se ainda é cedo falar com o maior poluidor mundial, a mensagem é para o segundo: o nosso compasso de espera até 2026 serve para dar garantias e tempo aos Estados Unidos de introduzirem reformas conjuntas severas na indústria pesada. E, claro, que se discutam formas de “protecionismo climático” que abrandem a China.
2 Fundo Social de Ação Climática
O tratamento generoso dado à indústria, mesmo que inevitável, antecipa um peso nos europeus ao transferir o custo da poluição dos poluidores reais para o consumidor final. Tão simples como: concessões gratuitas não leiloadas obrigam a ir buscar receitas a outro lado (todos os anos, são oferecidos 20 a 30 mil milhões de euros em licenças à indústria). Assim, pelo menos até 2026, a revolução ambiental na indústria continuará a ser especialmente financiada pelo contribuinte.
Sorte de uns, azar o nosso.
Azar, que não é igual para todos os países da União, não tivesse o acordo uma dimensão equitativa complicada – políticas ambientais têm diferentes impactos para diferentes rendimentos. Por isso, nasce um Fundo Social de Ação Climática, que estabelece que pelos menos metade das receitas dos leilões de licenças serão direcionadas para famílias com baixos rendimentos. Deste Fundo, pouco mais se sabe. E o motivo para a redoma à volta das muitas miudezas estará na recente experiência distributiva dos fundos de recuperação da pandemia, que enfraqueceram em muito a União.
Haverá os frugais deste acordo que não querem pensar em dividir dinheiro tão cedo, por isso, definir o esquema concreto de apoios sociais está fora de questão. Assim sendo, fica só a ideia, a tal fruta baixa. A holy grail do Fit for 55, o objetivo penoso, está em encontrar o equilíbrio na participação dos países e empresas. Mas isso fica para quando o ruído esmaecer. Infelizmente, enquanto há ruído, há low-hanging fruits de sobra.