No setor energético, a oferta não tem conseguido acompanhar a procura – a invasão à Ucrânia e a recuperação pós-pandemia tem permitindo às empresas extrativas cobrar preços mais elevados. Para os governos, para além da retoma económica, sobra o aumento do orçamento com a defesa e a proteção dos consumidores do aumento do preço da energia. À mão de semear encontrou-se a solução dos impostos sobre lucros inesperados (ou windfall tax), um imposto de base pontual destinado a taxar os lucros inesperados do setor energético.

Apresentada por Costa Silva, antecipando-se aos seus colegas de governo, António Costa descarta para já a ideia do novo imposto. No entanto, some as habilidades do primeiro-ministro em dar o dito por não dito à perseguição que vai fazendo aos privados, e ainda a apresentação dos resultados do primeiro trimestre da Galp, para obter um avolumar de contestações às empresas energéticas. A Comissão Europeia já reconheceu que situações de crise justificam medidas excecionais, recomendando que os estados-membros cobrassem um imposto sobre lucros inesperados das elétricas. A Bulgária, Roménia, Itália e Espanha seguiram o conselho.

Natureza do setor

Investir no setor energético é arriscado. O equilíbrio para grandes riscos é o potencial de grandes recompensas. Se as empresas precisam de suportar maus momentos, mas descobrem que os lucros são confiscados quando o preço da matéria-prima sobe, o negócio perde viabilidade. Lucros significativos são necessários para compensar perdas, coisa que o setor energético experimentou recentemente de forma considerável.

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Abril de 2020. A pandemia fazia colapsar a procura de crude, inundando o mercado de petróleo. Os produtores não tinham onde armazená-lo, então pagaram aos compradores para se verem livres do petróleo, isto é, “despejaram” o produto. Pela primeira vez na História, o preço do barril do petróleo tinha atingido valores negativos.

Reuni o retorno bruto do setor energético e do mercado de ações dos últimos 10 anos. Para o efeito, o índice MSCI ACWI Energy mede o desempenho do setor energético, com referência às empresas de grande e média capitalização. Projetado para representar o desempenho de todo o conjunto de ações de grande e média capitalização no mundo, consultei o MSCI ACWI.

Conclusão: nos últimos 10 anos, o setor energético cresceu 2,4% e o mercado de ações global 9,8%. As energéticas apenas viram em 2016 e 2021 um retorno superior ao do mercado global. Como referi, se é nestes anos bons que aproveitamos para assacar “responsabilidades”, o setor perde viabilidade.

Perspetiva Histórica

4 de maio. A Comissão Europeia proponha o sexto pacote de sanções contra a Rússia, incluindo finalmente o embargo ao petróleo russo até ao fim do ano. A 8 de maio o G7 assegurava um embargo “faseado”. São manifestações de resistência (e importantes).

Mas não chega. Deste artigo, fixe o seguinte dado: 27% do petróleo importado pela UE é proveniente da Rússia. Não sei como é que nos desfazemos disto, mas impostos sobre lucros extraordinários certamente não incentivam nenhum produtor a vender mais petróleo do que o habitual, necessário à independência da Rússia.

Depois do embargo do petróleo pelos países da OPEP, a Revolução Iraniana e o aumento continuo da procura, Jimmy Carter achou que já tinha tido o suficiente. Os preços do petróleo não tinham parado de subir na década de 70 e, em 1980, Carter introduz a Crude Oil Windfall Profits Tax, impondo um imposto de 70% sobre o preço de venda superior a US$ 12,81 por barril. Não correu bem, para dizer o mínimo. A produção de petróleo dos EUA caiu para o nível mais baixo em 20 anos: os produtores domésticos ficaram para trás numa procura crescente. É o centro de pesquisa independente do Congresso a concluir que o imposto reduziu a produção doméstica de petróleo entre 1,2 e 8% e aumentou a dependência do estrangeiro entre 3 e 13% entre 1980 e 1988 (ano em que foi revogado). E nem do lado da receita deu certo. O imposto gerou menos receita do que o previsto, e mesmo nenhuma nos últimos anos, como consequência da descida dos preços do petróleo.1

Isto é: se aos atuais custos de energia adicionar um desincentivo no investimento, o mais provável é que a produção de petróleo diminua, com previsíveis aumentos na fatura do cliente final.

Transição Energética

Uma matéria menos abordada quando se fala deste imposto. Agora que a maior parte do mundo está a tentar desfazer-se dos combustíveis fósseis, um imposto excecional que dificulte investimentos futuros nestas fontes talvez fosse bem-vindo.

Mas note, a descarbonização será gradual. Não está previsto acabar com o uso de combustíveis fósseis este ano, e não é certamente quando se tenta a independência energética da Rússia que se acelera o processo. A indústria é pouco eletrificada e altamente dependente das não-renováveis, para além do gás natural ser a principal fonte no aquecimento residencial, tornando impossível uma interrupção repentina no investimento em combustíveis fósseis.

Aliás, a proposta de imposto que a Comissão Europeia apresenta é perniciosa até para a transição energética, ao mencionar que os produtores de energia renovável que estejam a beneficiar de preços altos também devem pagar o imposto. Quando o imposto é aplicado sobre a produção fóssil, não há perigo de interromper a sua modernização (há pouco a melhorar numa tecnologia com 100 anos), mas quando é direcionado às renováveis, que ainda não atingiram maturidade, retiram-se incentivos ao seu desenvolvimento. Estranho será pensar que o investimento privado nas renováveis, nomeadamente no problema da intermitência (produção de energia inconstante ao longo do dia), concretiza-se ao mesmo ritmo se as empresas estiverem preocupadas com a possibilidade de lucros apreendidos.

1 Para uma leitura mais aprofundada: Historical Perspective: The Windfall Profit Tax – Career of a Concept, de Joseph J. Thorndike.