A democracia é uma sombrinha útil que dá para tudo e o seu contrário. Protege os que servem e os que dela se servem, é um facto que nem mesmo os regimes mais antidemocráticos desgostam da palavra «democracia». O mesmo pode ser dito para a liberdade de expressão. Sem esta liberdade é impossível denunciar a falta de outras, assim, quando a liberdade de expressão cai, as outras liberdades caem com ela. Democracia e liberdade de expressão são, portanto, as duas sombrinhas úteis de se manterem na eventualidade de existirem opositores. Mas mesmo em campanha autárquica, Mário Patrício, atual presidente da junta de freguesia do Parque das Nações, vai procurando não as utilizar.

Os 22 mil fregueses que compõem a freguesia contarão uns minutos a menos na participação democrática do próximo dia 26 – serão apenas os instantes entre o preenchimento do boletim de voto e a urna. Será assim porque a Junta do Parque das Nações determinou que seria dispensável organizar um debate com intervenções públicas, aliás, deixando bem claro o seu desdém uma segunda vez, ao ignorar o convite para participar num debate promovido pelos restantes candidatos.

Não pertenço a nenhum partido, nem integro listas autárquicas. Sou um eleitor do Parque das Nações profundamente insatisfeito pela forma como a Junta conduziu estas eleições, pois, no cenário provável da reeleição do incumbente, será um presidente eleito democraticamente sem escrutínio democrático.

Os debates testam o performativo

A nível micro autárquico existem poucas diferenças nos programas eleitorais das listas concorrentes. Aliás, as campanhas são quase sempre baseadas em cartazes e presenças muito idênticas nas redes. Então, em quem votar? Se não tiver uma preferência à partida, os debates serão o único elemento diferenciador, provavelmente o momento verdadeiramente improvisado, onde a veia performativa do candidato – agilidade mental, sagacidade – são testadas, podendo retirar daí o melhor candidato.

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É claro que a maneira mais ineficiente de se informar sobre um programa político é através de um debate. Se estiver unicamente interessado nas propostas, não se submeta a horas de debate, uma vez que as políticas são discutidas, mas nunca em maior profundidade do que aquelas já publicadas online pelos candidatos. A diferença é que, a nível nacional, os debates são apenas mais um elemento de decisão, porque os eleitores, na sua maioria, já reconhecem projetos com visões do estado muito diferentes para o país. A nível local, onde as ideias parecem muito iguais, os debates tornam-se num dos poucos elementos diferenciadores para os candidatos.

Accountability

No mês passado, o Observador noticiava que a junta do Parque das Nações poderia ter violado a lei autárquica que proíbe publicidade institucional após a marcação de eleições. Em causa estava a nota de abertura da revista mensal da junta que fazia o balanço do atual mandato, publicada já depois do decreto que marcava a data das eleições.

A junta fechou-se em si, num silêncio insursedor. Pode-se ler na mesma notícia que o Observador, “apesar das várias insistências, não teve qualquer resposta”. Até hoje, os fregueses não tiveram direito a qualquer explicação. A notícia continua: “Certo é que pelo menos a edição que se encontra online poderá ter que ser retirada, garante João Tiago Machado [porta-voz da Comissão Nacional de Eleições]”. Hoje, a escassos dias das eleições, poderá encontrar a edição visada ainda online.

Ora, esta atitude do executivo deixa pouca margem para dúvidas: trata-se de um abuso de poder. A sair vitorioso, o risco de assistirmos a condutas semelhantes pelo incumbente nos próximos quatro anos aumenta: passou limpo sem consequências políticas, então o padrão ficou definido. Um debate, por mais insignificante, teria sido uma oportunidade para responsabilizar o comportamento abusivo.

Se está convencido de que os debates são incapazes de mudar a trajetória das campanhas, então questione-se porque é que o incumbente não colocou uma máscara de cosmética democrata, participando num debate. É certo que não aparecer não mudaria o resultado, mas seria desconfortável para a campanha, oferecendo trunfos à oposição. Isso seria o expectável, mas até ao momento nenhuma outra lista tirou dividendos políticos – é o caso de uma freguesia com um presidente fraco, provavelmente alimentado por uma oposição também ela não muito forte.

Finalmente, convido o executivo a comparar algumas capitais de distrito com a freguesia: o concelho de Portalegre, justamente com a mesma população que o Parque das Nações, teve um debate televisivo. É evidente que ser uma capital de distrito lhe confere esse estatuto, mas é interessante viajar por esse país fora, por freguesias com mais animais do que fregueses, e verificar que mesmo aí existiram debates apoiados por rádios locais. A minha freguesia, com um orçamento milionário e meios invejáveis, decidiu adiar a democracia para daqui a quatro anos.

Nota: No lado da democracia, esteve a coligação Novos Tempos (CDS/PSD/PPM/MPT/Aliança), a CDU e a Iniciativa Liberal, que estiveram dispostas a debater. Porém, com apenas três das sete listas concorrentes à Assembleia de Freguesia representadas, optou-se por não realizar um debate.