Assuntos não faltam, desde o caso do meu colega Boaventura Sousa Santos à crise cada vez mais profunda provocada pela desorientação do actual governo socialista. É urgente, todavia, alertar o Primeiro-Ministro, caso ainda atenda à voz do público, para aquilo que se prepara em Lisboa no caso de o recém-reeleito presidente do Brasil vir «botar sentença» acerca da guerra da Rússia contra a Ucrânia e dos apoiantes activos desta última através da NATO.

Neste momento, Lula já deu, através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, o prometido apoio do Brasil à causa russa e isso será retomado em breve em Brasília com a presença do presidente brasileiro e Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, o qual continua a funcionar, interna e externamente, como no tempo da antiga URSS. Ora, a vinda do recém-reeleito presidente brasileiro a Portugal não tem nada que ver com a guerra da Rússia contra a Ucrânia, mas sim com a comemoração do 25 de Abril na Assembleia da República Portuguesa.

Quem conhece a laboriosa construção do chamado Partido dos Trabalhadores (PT) brasileiro a partir dos sindicados da enorme região industrial de S. Paulo, onde Lula conquistou o seu lugar político – primeiro como líder sindical, depois como fundador do PT – sabe que se trata de uma organização na linha do corporativismo sindical da era Vargas criada no início de 1980.

Finalmente, Lula foi eleito presidente da República brasileira durante 8 anos (2004-2011), seguidos pela entrega do poder a Dilma Roussef a partir de 2012, mas esta foi exonerada em meados de 2016, tendo o Presidente do Congresso, Michel Temer, presidido ao Brasil até 2018, quando inopinadamente foi eleito Jair Bolsonaro, o qual exerceu a presidência até 2022. Mas Lula foi reeleito resvés, estando de novo na presidência…

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Acontece, porém, que Lula não deixa de partilhar um nacional-populismo paralelo ao de Bolsonaro, convergindo ambos em favor da Rússia perante a guerra contra a Ucrânia. É neste ponto que convém chamar à actualidade a adesão de Lula não só aos patentes interesses bélicos de Putin, como ao rápido relançamento da anterior convergência político-económica dos chamados BRICS, alegadamente deserdados pela Europa, a América do Norte e os «capitalistas» do Pacífico, desde o Japão e a Coreia do Sul à Austrália e à Nova-Zelândia.

Não é à toa que Lula invoca de novo os membros da sigla BRICS, a saber, o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e o S de ‘South Africa’. Das duas, três: ou Lula há muito tempo que está desligado da pretensa política de apoio mútuo dos chamados BRICS, que ele tem visitado recentemente; ou os ditos BRICS estão mais unidos do que antes graças ao desencadeamento da guerra contra a Ucrânia e temos de estar prevenidos, mas não por Lula; ou é o presidente brasileiro quem está mal informado acerca desses BRICS dos quais já não ouvíamos falar e nada se sabe!

Seja como for, Portugal está e estará, quer o primeiro-ministro e o Presidente da República queiram ou não, completamente manietado pelos triliões de euros despejados sobre nós pela União Europeia sem contrapartida que se veja da nossa parte e, pior, sem incitação às profundas reformas que o país teria de fazer e fez em parte antes de o PS entrar no «euro» sem pedir licença a ninguém.

É estulto, pois, pensar nisso tudo enquanto Portugal não for posto à prova durante a prolongação da guerra. E obviamente que não é Lula quem virá arrastar-nos para os BRICS… Se é disso que ele vem falar ao parlamento da República na celebração do dia em que as Forças Armadas puseram fim à guerra colonial e abriram caminho a um Estado demo-liberal, hoje bastante abalado pelas permanentes manobras politiqueiras do PS.

Finalmente, a manifesta falta de oportunidade da vinda de Lula às comemorações parlamentares de 25 de Abril estaria à vista se as autoridades portuguesas tivessem os olhos abertos para as políticas efectivas do PT enquanto duraram – e as do Bolsonaro eram as mesmas se não piores. Ver-se-ia então como os governos e o grande patronato brasileiro pouco ou nada têm que ver connosco, sobretudo em «tempo de guerra» como o actual.

Com efeito, no tempo da dominação do PT, as atitudes e comportamentos dos governos brasileiros em relação a Portugal mostraram o nosso pouquíssimo peso político no auge dos governos de Lula e Dilma, ficando as relações reduzidas à retórica linguística. Ao mesmo tempo, os serviços de informação governamentais, alheios à diplomacia formal, manifestavam não só um ínfimo interesse em Portugal como sustentavam a comunicação com os movimentos de extrema-esquerda e os governos pós-soviéticos! Numa palavra, a ideia de países-irmãos é frequentemente menos fraternal do que desconfiada ou sem peso! É isso que António Costa arrisca que Lula lhe faça no parlamento: defender a Rússia contra a América!