No final do séc. XX, com o advento da internet, surge também um “mistério” entre a comunidade dos físicos. Sem melhor coisa para fazer, um par de físicos húngaros, Albert-Lázló Barabási e Réka Albert, resolveram tentar perceber por que razão a internet tinha uma geometria tão estranha.

Para o leitor perceber melhor a razão pela qual um físico se dedicaria ao estudo da geometria da internet, será melhor tentar explicar os dois conceitos. Internet, aquela coisa que usa para ler isto, é a conjugação de um protocolo de comunicação entre computadores e uma forma de transmitir informação aos humanos a que se chamou www. Exato, aquilo que está antes do nome do sítio. O protocolo foi inventado pelos americanos, mas a www foi inventada no centro de pesquisas nucleares europeu, o CERN.

Ora, como os académicos são muito de “quintas”, a www passou a ser da “quinta” dos físicos. Hoje, internet e www são conceitos indistinguíveis. Geometria é um conceito mais abstrato, algo que nós não pensamos no dia a dia, mas quase toda a gente sabe que um quadrado ou um triângulo são figuras geométricas. Agora, imaginem que, como no quadrado, nós unimos os vértices usando os lados, na internet usamos as ligações unindo os sítios. E a pergunta é “qual é a geometria da internet?”, ou seja, que figura geométrica formam as ligações entre todos os sítios da internet? Sim, é mais complicado que um quadrado, mas a ideia é essa.

Voltando aos nossos amigos húngaros, a geometria estranha era que o número de sítios com um determinado número de ligações era inversamente proporcional ao cubo desse número de ligações. Existe uma lei semelhante (que hoje se sabe ser a mesma lei, não fosse a internet parte da economia) na economia que é a chamada lei de Pareto, que é popularmente conhecida por lei 80-20, que diz que 80% da riqueza está em 20% das pessoas, embora estes números estejam errados. Ora, na física não basta sabermos que as coisas são de determinada maneira, é preciso saber por que são desse maneira. E o “mistério” era esse, sabendo a lei matemática que geria a geometria da internet, faltava saber o porquê. E é aqui que eles entram.

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Então os nossos amigos resolvem pegar num computador e simular o que acontece para chegar àquela geometria tão estranha. Não havia maneira de conseguir chegar ao mesmo resultado com aquilo que se sabia na altura. Fosse o que fosse que se experimentasse, não resultava. Então resolvem fazer uma coisa que pode parecer óbvia quando explico, mas está longe de ser óbvia a forma de lá chegar. Quão atrativo é um sítio quando comparado com os outros? Bem, a forma óbvia de o medir é ver quantas ligações ele tem comparado com os outros. É óbvio de medir, mas será essa a razão pela qual esse sítio recebe as ligações? Há aqui um detalhe conceptual. Uma coisa é a medição, a outra é a razão pela qual acontece. Então eles meteram a regra no computador e, por cada novo sítio que aparecia, ele ligava-se aos que existiam de acordo com esta regra. E, senhoras e senhores, lá apareceu a geometria que se procurava.

Este detalhe conceptual que faz equivaler a medida à causa é, para mim, o ponto mais importante do modelo de Barabási-Albert. E lembrei-me disto ao ver uma fotografia de uma multidão de turistas no tabuleiro superior da ponte D. Luís, no Porto, que, por mero acaso, tinha observado também do meu carro no elétrico 28 em Campo de Ourique, em Lisboa. Para aqueles que são demasiado novos ou que moram demasiado longe, o elétrico 28 vai do Martim Moniz para o cemitério de Campo de Ourique. Para quem, como eu, fazia do elétrico meio de transporte diário, sabe que aquilo é a coisa mais desconfortável em que alguém se pode deslocar. É muito ineficiente comparado com o autocarro porque o espaço é mal aproveitado, e viajar para um cemitério estará longe da nossa viagem de sonho — embora inevitavelmente a faremos um dia —, mas o facto é que o 28 ia à minha frente, com uma multidão de gente loira com a cara colada nos vidros de tão apertados que iam lá dentro.

Sejamos honestos relativamente à Ponte D. Luís. Sim, o Porto é lindo, a ponte é uma obra de arte, mas dificilmente passaria pelo tormento de lá chegar juntamente com uma multidão de turistas que mais parece uma manifestação contra o Porto do que uma peregrinação à beleza. Outro exemplo, o elevador de S. Justa em Lisboa. É bonito, mas estar numa fila de dois quarteirões para andar num elevador, é obra.

A pergunta que qualquer lisboeta ou portuense acaba por fazer é “o que move esta gente a fazer algo tão absurdo?”. A resposta vem daquele detalhe conceptual que referimos acima. De alguma maneira, o nosso cérebro faz equivaler a medida à causa. Somos todos “Marias que vão com as outras”. No processo de evolução das espécies que nos trouxe o instinto social, aparentemente trouxe também algumas ferramentas de viver em sociedade, incluindo esta equivalência que, do ponto de vista filosófico, não faz grande sentido, mas do ponto de vista biológico parece ser fundamental. Como é que eu meço o que é bom? Pela quantidade de gente que gosta. Ora, se toda a gente vai andar de 28, eu vou andar de 28 porque isso é bom. Embora todo o lisboeta da minha idade saiba que entrar num elétrico cheio significa um dia com as costas feitas num oito.

Se pensarmos bem, ninguém publicita um artigo dizendo “aproveitem para comprar o meu detergente porque, como ninguém compra, temos às carradas”. Publicitamos um produto dizendo que toda a gente o quer. Ora, haver muito é bom e haver pouco é mau. Mas a boa publicidade é aquela que nos diz “compre aquilo que toda a gente quer”.

A ideia de termos políticos que tenham alguma preparação teórica torna-se mais importante quando os problemas que temos já têm solução há muitos anos, mas eles não têm capacidade de o entenderem. Ter turistas é bom. Traz economia, traz dinheiro, traz progresso. Mas, claro, o 28 tem lugares limitados, a Ponte D. Luís não tem acesso da autoestrada, nem aguenta com os milhares que querem andar lá em cima. Pior, os turistas que andam no 28 têm tendência de se alojarem perto do 28, fazerem o resto da vida perto do 28, divertirem-se perto do 28 porque, afinal, férias não pode ser só destruir a espinha para andar de elétrico. No final, as pessoas que vivem perto do 28 porque lá trabalham, criam lá a sua família e lá dormem, estão com pouca disposição para o divertimento dos outros só porque os demais 10 milhões precisam do dinheiro dos estrangeiros. E começa-se a falar de excesso de turistas e com razão.

Um político com preparação estaria a pensar em resolver o problema de forma inteligente, isto é, aproveitar o que se sabe para satisfazer os dois lados. Ora, se temos excesso de um lado, que tal começar a promover o outro? O segredo do 28 é que todas as fotografias promocionais de Lisboa acabam por ter o 28. O que é estúpido é que o 28 nem sequer é o único elétrico em Lisboa. Já promoveram no estrangeiro que a vista do Campo Alegre é muito melhor que a do tabuleiro da Ponte D. Luís, por exemplo? Mas lembrem-se que o turista vai usar o mesmo erro filosófico, a medida e a causa são a mesma coisa. Mostrem ao turista que afinal há mais gente no outro lado, mesmo que isso seja tão verdade como o Presto ter glutões.

Hoje sabemos mais sobre redes e sabemos que a geometria da internet não é aquela, foi aquela no fim do séc. XX quando a rede crescia com o número de sítios, coisa que hoje não acontece quando o tráfego cresce muito mais depressa que o número de novos sítios da www. No entanto, o princípio da “ligação preferencial”, como foi batizada a equivalência entre a medida e a causa, não perdeu a valia. Quer dizer, para políticos sem preparação teórica nunca valeu nada, de qualquer forma.