Em Março de 2015, o líder do Partido Socialista António Costa, então na oposição, propôs aos restantes partidos com assento na Assembleia da República uma alteração na forma de nomeação do governador do Banco de Portugal. De acordo com essa proposta, que poderia exigir uma alteração da Constituição, o candidato proposto pelo Governo seria ouvido pelo Parlamento, sendo posteriormente nomeado pelo Presidente da República. Citando ainda a mesma notícia, na carta enviada ao Parlamento por António Costa refere-se: “A centralidade do Banco de Portugal no quadro da participação de Portugal no euro, no Sistema Europeu de Bancos Centrais e na garantia da estabilidade do sistema financeiro nacional justificam que o processo de designação do governador contribua para o reforço da credibilidade do sector e seja acompanhado de uma co-responsabilização dos diversos órgãos de soberania.”

Não obstante ter mudado a legislação das entidades reguladoras para um formato semelhante ao que o PS propunha para o Banco de Portugal, o governo de Passos Coelho não acolheu a proposta de António Costa.

Carlos Costa foi reconduzido como governador do Banco de Portugal em Agosto de 2015. O PS criticou a escolha e falou de partidarização. Na realidade, Carlos Costa havia sido nomeado em 2010 pelo então primeiro-ministro José Sócrates, por proposta do seu ministro das Finanças Teixeira dos Santos.

Para os mais ingénuos, seria de esperar que, chegado ao Governo, o primeiro-ministro António Costa alterasse o método de nomeação do governador do Banco de Portugal, pondo fim ao movimento giratório da porta do Governo para a porta do Banco de Portugal.

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No Estado Novo, houve vários casos de ministros das Finanças nomeados governadores do Banco de Portugal. Com a chegada da democracia, a porta giratória continuou em movimento. Como bem recordou Luís Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC, em 1986 o primeiro-ministro Cavaco Silva nomeou governador José Tavares Moreira, seu secretário de Estado do ministro das Finanças e do Tesouro à época. Em 1992, Cavaco Silva nomeou governador Miguel Beleza, seu ministro das Finanças até 1991. Seguiu-se a nomeação, em 1994, de António de Sousa, secretário de Estado Adjunto e das Finanças de Cavaco Silva entre 1992 e 1994.

No entanto, é importante referir que aquelas nomeações aconteceram num contexto de forte coordenação das políticas orçamental e monetária. Havendo coordenação de políticas, a existência de uma relação de confiança entre o ministro das Finanças e o governador do Banco de Portugal era relevante para a sua eficácia. Isto é, a questão da independência não se colocava.

A independência dos bancos centrais em relação ao poder político apenas ganharia importância a partir dos anos 1980, quando a credibilidade se tornou um elemento-chave no combate à inflação. Por exemplo, no Reino Unido, foi só em 1998 que o primeiro-ministro trabalhista Tony Blair mudou o enquadramento institucional do Banco de Inglaterra para garantir a sua independência em relação ao ministro das Finanças.

Nos anos 1990, o enquadramento institucional do Banco de Portugal altera-se profundamente com a adesão ao Sistema Monetário Europeu, à União Económica e Monetária e com a integração na área do euro. Em 1990, termina a possibilidade de financiamento do Estado via banco central. Em 1995, é definido o objectivo da estabilidade de preços. Em 1998, o enquadramento institucional do Banco de Portugal passa a obedecer às regras europeias. As decisões de política monetária foram transferidas para o BCE e os bancos nacionais concentraram as funções de regulação e supervisão. O Tratado da União Europeia (artigo 245º) estabelece a independência dos bancos centrais nacionais, que pertencem ao Sistema Europeu de Bancos Centrais, em relação aos governos e outras instituições nacionais. A lei orgânica do Ministério das Finanças define o âmbito do seu relacionamento com o Banco de Portugal, salientando o seu carácter de entidade independente e as suas funções no âmbito da supervisão e da regulação do sector financeiro.

Apesar da nova natureza independente do Banco de Portugal, o primeiro-ministro António Guterres manteve a porta a girar. Em 2000, nomeou Vítor Constâncio governador do Banco de Portugal. No currículo de Constâncio constavam os cargos de Ministro das Finanças do PS, governador do Banco de Portugal e Secretário Geral do PS. Em 2010, Vítor Constâncio viria a ser nomeado vice-governador do BCE.

O movimento das portas giratórias entre o Ministério das Finanças e o Banco de Portugal foi interrompido com a nomeação de Carlos Costa, em 2010, por José Sócrates. Carlos Costa fez grande parte da sua carreira no estrangeiro (Banco Europeu de Investimento e Comissão Europeia) e nunca pertenceu a nenhum Governo.

Ao declarar em entrevista ao jornal Expresso que não vê conflito de interesses na passagem directa do Ministério das Finanças para o Banco de Portugal, Mário Centeno colocou novamente a porta giratória em movimento. Os potenciais conflitos de interesses são óbvios, como muito bem explicou o Luís Aguiar Conraria em artigo no jornal Público.

É verdade que o actual método de nomeação do governador do banco de Portugal não exige qualquer escrutínio de outros órgãos de soberania. Porém, dada a quantidade de processos complexos em curso na banca portuguesa, seria de bom senso nomear alguém que garanta, sem margem para dúvidas, a independência do Banco de Portugal. Esta oportunidade poderia ser aproveitada para atrair alguns dos mais qualificados membros da nossa diáspora.

Não podemos esquecer que a severidade da crise económica portuguesa é indissociável dos erros cometidos pelo sistema bancário na alocação do crédito e pelas falhas na supervisão. Melhorar o funcionamento do sistema bancário e da supervisão são duas das mais importantes reformas de que o país necessita.

Terão sido as putativas ambições de Mário Centeno a levar António Costa a não alterar o método de nomeação do governador? Ou será que a proposta de António Costa, enquanto líder da oposição foi mero oportunismo? A verdade é que Rui Rio também já mostrou não ter objecções ao método de nomeação em vigor. Parece evidente que o bloco central não abdica do controlo do Banco de Portugal e que pretende perpetuar o movimento das portas giratórias.