Tenho de começar por pedir desculpa ao Emanuel. Vou aproveitar-me do título e de algumas partes de uma letra, que, embora de qualidade terrível, talvez não merecesse que a fizesse descer ao ponto de a usar para caracterizar a proposta para o ensino da “nova matemática” que o Ministério da Educação apresentou.

A canção “Pimba”, do Emanuel, teve a capacidade de fazer bailar milhões e de ser o móbil para classificar um vasto universo musical, cuja finalidade não tem nada a ver com erudição, mas tão só proporcionar a diversão mais básica, com recurso a uma brejeirice, às vezes mais encapotada, outras vezes mais descarada, nos bailaricos dos Santos Populares. Porém, estas propostas para o ensino da Matemática, que todos reconhecem como a disciplina mais exata e rigorosa, podem fazer tombar milhões no bailarico da ignorância.

Relativamente ao título deste texto, confesso que o primeiro que me ocorreu foi “E se eles querem Matemática à maneira, nós pimba, nós pimba”. Na verdade, não seria propriamente “à maneira”, mas, mais apropriadamente, “de qualquer maneira”. Contudo, todos sabemos que os títulos se querem curtos, sintéticos, embora, tanto quanto possível, explicativos, pelo que me rendi a encurtá-lo.

Vem isto a propósito da consulta pública da “nova matemática” para o ensino secundário, que se iniciou na segunda-feira, dia 6 de junho. Desde a homologação das Metas Curriculares de Matemática e do respetivo Programa, tanto para o Ensino Básico como para o Ensino Secundário, que ocorreu durante o mandato do ministro Nuno Crato, que os “eduqueses”, ferozes opositores do rigor e da exigência, se mobilizaram para tentar “deitar abaixo” uma estrutura coerente, organizada racionalmente por patamares de crescente complexidade, com uma lógica que não agrada aos românticos da educação, que defendem que o aluno, mais as suas idiossincrasias, deve ser o centro da atividade letiva.

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Logo que a «geringonça» conseguiu, por artes nunca antes navegadas, tomar conta do poder em 2015, que os “eduqueses” se acantonaram junto do Ministério da Educação e, em particular, do atual ministro da Educação, e têm trabalhado afincadamente (imagino) para derrubar e substituir o rigor e a exigência por uma salganhada própria de um saco de gatos (pobres felinos, que saltam caoticamente se os amontoam). Ao fim de sete anos (é obra!) aqui está uma proposta, não de Programa, mas de Aprendizagens (finalmente) Essenciais para substituir o Programa que o atual ministro, ainda como Secretário de Estado do anterior Governo, tinha revogado. Assim, ninguém se pode queixar de que o Programa não foi cumprido, porque simplesmente não existe Programa.

Essencial significa básico, fundamental, indispensável (sine qua non), porém, “aprendizagens essenciais” é uma expressão que nunca ninguém saberá bem o que significa, pois é do conhecimento universal que, regra geral, os alunos não aprendem tudo o que lhes é ensinado. Desde que demonstrem saber perto de metade dos conteúdos já se considera que estão aptos para avançar. Assim sendo, é claro que os alunos vão ficar sem aprender algumas ou muitas das aprendizagens ditas essenciais e poderão progredir na sua caminhada para o (in)sucesso, pelo que se deduz que essas aprendizagens, que não chegam a ser realizadas, afinal não eram essenciais…

Há um ano, em junho de 2021, o mesmo grupo de trabalho para a reforma do ensino da Matemática produziu, para o ensino básico, uma réplica refinada do lastimável Programa de 1990, apurado pela mesma trupe em 2007. A inconsistência, a incoerência, não os perturba, conforme comentei aqui, aqui e aqui. Se algum gato dentro do saco acha que um aluno do 2.º ano pode querer falar de ângulos sem sequer saber o que é uma semirreta, nós pimba, antecipamos esse assunto, que estava no 4.º ano, para o 2.º ano. E o mesmo gato sugere que, já agora, se fale das simetrias de rotação, que se observam em desenhos tão bonitos. Se era assunto do 6.º ano, passa a ser do 4.º ano, pois claro. Sem espinhas!

Entretanto, outro gato observa que dava muito jeito eliminar o metro cúbico, que é cubicagem a mais para os garotos – elimina-se! E o decímetro cúbico? Ó pá, o quilo é igual ao litro. E o decímetro? Nem o decímetro? Qual decímetro, qual decâmetro, qual carapuça? Toma lá o quilómetro, que até podes escrever kilómetro, que somos todos inclusivos. E se um aluno do 3.º ano quiser discutir a probabilidade de chover à terça-feira? Tudo bem, vai-se ao 9.º ano e puxa-se o tema Probabilidades para o 3.º ano. Pimba.

«Mas como é que isso é possível, se há tantos assuntos a tratar para se poder compreender esse tema?» – interrogas-te, pasmado.

Isso não interessa nada. O que o aluno tem de saber é que é pouco provável retirar uma bola verde de um saco com quatro bolas em que apenas uma é verde, é ou não é?

Logo, vai o aluno para casa dizer aos pais que é muitíssimo pouco provável irem visitar os avós no domingo, pois domingo só há um em cada sete dias da semana. Óbvio. Trata-se a Matemática como se fosse um monte de calhaus, sem qualquer organização.

Há um gato, ou dois, que opinam sobre o conceito de média no 1.º ciclo. Está feito, nós pimba. Lá vai a média aritmética do 2.º para o 1.º ciclo. Se nunca estudaram a divisão que envolve dízimas finitas, não faz mal, que, por artes mágicas, os alunos adivinham e conhecem o respetivo significado. É só carregar nuns botões da calculadora ou, mais modernamente, do tablet ou do telemóvel. E nenhum dos gatos ter pensado no desvio-padrão, já é uma sorte.

Se no 9.º ano se trata dos casos notáveis da multiplicação necessários para se poder compreender o aparecimento da fórmula resolvente, ferramenta reconhecida há quase um milhar de anos como excelente para a resolução de equações do segundo grau, mas se omite a sua existência, qual é o problema? “Por amor de Deus, há as calculadoras”, dizem os gatos. E se os alunos querem calculadoras, nós pimba.

– Mas está tudo estudado, é só mesmo chegar à fórmula – dizes tu, preocupado em dar uma ajuda.

– Não! É necessário evoluir – respondem em coro afinado.

– Nesse caso também poderíamos dar-nos ao trabalho de construir um automóvel e, ao chegar à fase final, não se avançava para as rodas.

– E depois? Sem qualquer dificuldade se levam os alunos para um computador e brincam com o simulador que faz deslizar o carro fantasticamente, mesmo nas curvas.

Relativamente ao Ensino Secundário, o mesmo grupo de trabalho que nos propõe esta “algaraviada” (sem qualquer desconsideração para com os algarvios) considerava, em 2018, que a Estatística ficava adequadamente no 11.º ano. Em 2022, coloca-se a Estatística no 10.º ano. Divisão de polinómios e Teorema do Resto, equações e inequações de grau superior ao segundo, no 10.º ano, certo? Errado. Era. Agora, pimba, passa para o 11.º ano. E a função quíntica? Não conhecias, pois não? Agora vais com os alunos «trabalhar em equipa e a aprender a considerar diversas perspetivas e a construir consensos” – toma lá, que já almoçaste. E os pontos notáveis do triângulo, que saltam, melhor que os gatos, do Básico para o Secundário. E as propriedades dos radicais, que se estudavam no 10.º ano? Pimba, pimba. Passam para o 12.º («propriedades simples com raízes de índice natural»). Limites e continuidade? No 11.º ano? Não. 12.º ano. E se eles querem um encosto à maneira, damos-lhes com a Matemática nos salários, que tal? Vão as meninas e os meninos do 10.º ano (que já sabem fazer contas de adicionar e de subtrair, ou de somar e de sumir, que o rigor da linguagem é uma coisa de somenos), «interpretar um recibo de vencimento, identificando abonos e descontos» – é agora que vão aprender o significado da expressão “esmifrar os trabalhadores da classe média”.

Desde sempre e também em 2018, o documento do grupo de trabalho indicava o estudo dos Números Complexos no 12.º ano, ano terminal do ensino secundário onde invariavelmente esteve este assunto. Agora, o mesmo documento, mas de 2022, depois de algum deles ter comido um pastel de nata a meio de um cozido à portuguesa, passa os Números Complexos para o 10.º ano, o que é muito bom para a tosse. Milhares de pedagogos, que pensaram o currículo da Matemática ao longo de décadas, valem… zero. Isso é tudo gente do passado, e nós, pimba no passado. E se a História da Matemática revela que a criação dos Números Complexos se deveu à resolução de equações de terceiro grau?

– E agora, não? – perguntas tu, incrédulo.

Rapazes da vida airada, ouçam bem com atenção, reescreve-se a história e os Complexos nascem das equações de segundo grau, é ou não é? Pimba, pimba.

Se é necessário resolver um limite que envolve uma indeterminação, dá-lhe com a regra de L’Hôpital – trigo limpo, farinha Amparo! E se tu ficas com os olhos esbugalhados porque os alunos nunca estudaram nem ouviram falar dos Teoremas de Rolle, Lagrange, Cauchy, os gatos, pimba, combinam-te com a tecnologia gráfica, que é um mimo. E o radiano, que estava no 11.º ano? Pimba, passa para o 12.º ano. Arranjos, Combinações e Fatoriais? O que é isso? Pimba, foi-se.

Em 2018, o inexcedível grupo de trabalho considerava completamente impróprio que se tratasse do tema Primitivas e Integrais, previsto no Programa e Metas Curriculares do ministro Crato. Coisa horrível, desde logo colocada de parte, que nunca chegou a ser estudada. Em 2022, depois de uma bela noite de sono, um dos gatos acordou e de que é que se lembrou? Pimba, vamos lá colocar o tema Primitivas e Integrais nas Aprendizagens Essenciais.

E se eles querem à noitinha dormir descansados, dêem-lhes com as Matrizes. E esta, hein? A fórmula resolvente no 9.º ano nem pensar, mas matrizes que «fornecem o enquadramento necessário para a resolução de sistemas de milhares de equações com milhares de incógnitas» isso sim. Lá dizia o José Mário Branco, no velhinho Teatro Aberto: «Cachucho não é coisa que me traga a mim mais novidade do que lagostim». Que tal “caraterizar variações de tamanho (scaling), cisalhamentos (shearing) e rotações no plano, recorrendo a matrizes adequadas multiplicadas por matrizes coluna”? Entretém-te filho, entretém-te com as matrizes! Deixa-te de políticas que a tua política é o trabalho, entendes, não entendes? Vota PS. Agora é que é. Pimba, pimba nas matrizes.

A consulta pública deveria ter como objetivo ajudar a “limar arestas”, para que o resultado ficasse melhor. Contudo, a qualidade do “soneto” leva-me ao espanto de Bocage, que, ao receber uma proposta para fazer algumas emendas no sentido de melhorar um soneto, o devolveu tal e qual, dando origem ao brado: “É pior a emenda que o soneto”.

Coitados dos antigos homens e mulheres de esquerda, que defendiam a instrução para os filhos da classe operária, para que alguns destes pudessem ter oportunidade de demonstrar as respetivas capacidades intelectuais. Pimba, não é preciso. Em vez de se preocuparem em revelar sucesso intelectual, basta que paguem a cota aos socialistas, ou que, no mínimo, lhes botem a cruz, para que o principal Costa possa chegar ao jubileu.

Emanuel, desculpa, mas quando estão apaixonados pela educação, são-nos muito dedicados. Por isso, rapaziada, vamos lá à algaraviada, estudar matemática pimba, de qualquer maneira, porque a maioria absoluta socialista gosta muito de pimbar com esta destrambelhada bagunceira.