Quero começar com uma clarificação: este artigo não é sobre futebol e muito menos é um ataque ao Benfica. O clube da Luz também é uma vítima do comportamento de LFV, e conheço muitos benfiquistas que se sentem envergonhados com o que se passa no seu clube. Este artigo é sobre o modo como políticos usam o futebol e o que isso mostra sobre o exercício do poder em Portugal.

Custa muito ver a subserviência que há em Portugal, ou pelo menos entre as elites, ao poder. As imagens que passam dos camarotes do Estádio da Luz durante o reinado de LFV dizem quase tudo sobre o nosso país. Políticos de todos os partidos iam ao beija mão ao Presidente do Benfica. É difícil respeitar pessoas, que ocupam cargos públicos de responsabilidade e com educação para não se deixarem deslumbrar, mostrarem um desejo sôfrego para serem vistos com LFV.

Obviamente, muitos explicam isso com a paixão pelo futebol, e com o desejo de assistirem aos jogos do seu clube nos camarotes da Luz. Eu também tenho paixão por futebol e pelo meu clube, mas seria incapaz de prestar vassalagem ao presidente do FC do Porto, seja ele quem for. Deveria ser um ponto de honra de qualquer político em exercício de funções nunca aparecer num camarote de um clube de futebol como adepto (excluo obviamente presenças oficiais, como por exemplo na final da Taça de Portugal). Aliás, é muito melhor assistir a um jogo de futebol incógnito nas bancadas no meio dos adeptos comuns.

Muito políticos aparecem ao lado dos presidentes dos maiores clubes porque acreditam que dá votos. Não sei se dá ou não. Tendo em conta as rivalidades futebolísticas em Portugal, dará uns a tirará outros. Mas mesmo que dê, não se pode fazer tudo por votos, a não ser que se queira cair no populismo mais baixo. Infelizmente, é isso que acontece com muitos políticos. Gostam muito de atacar o populismo dos outros, mas depois usam o populismo futebolístico sem qualquer escrúpulo.

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Mas há ainda outra explicação para a cumplicidade entre responsáveis políticos e dirigentes do futebol: o sentimento que se pertence a uma casta, a uma oligarquia de poder. Quando chegam a um determinado patamar de poder, conhecem-se todos, frequentam-se todos, e começa a deixar de haver limites a certos comportamentos. Naqueles camarotes da Luz, havia um ar de podridão a pairar sobre aquelas pessoas.

O populismo político e a cumplicidade oligárquica explicam o apoio de António Costa e de Fernando Medina a LFV, ao ponto de integrarem a comissão de honra nas últimas eleições para a presidência do clube há menos de um ano. Depois saíram, quando perceberam as reações. Mas a questão central não é terem saído, mas sim aceitarem entrar. Quando o PM e o presidente da Câmara aceitaram o convite de LFV já existiam investigações judiciais sobre casos de corrupção envolvendo o presidente suspenso do Benfica. E mesmo a presunção de inocência não deveria ter impedido que Costa e Medina fossem sensatos.

Mas pior do que as investigações judiciais, todos sabiam que LFV é um dos mais devedores da banca, nomeadamente do antigo BES e do Novo Banco. No Parlamento, Costa aceita auditorias à venda do NB e mostra incómodo pelo dinheiro público injectado, mas depois apoia uma pessoa que deve centenas de milhões de euros a esse banco. Será que António Costa não percebe o óbvio? Não consegue entender que o seu apoio a LFV foi uma ofensa aos milhões de portugueses cujos impostos pagam a falência do BES? Não há alguém que lhe diga isso? É assim tão difícil de entender?

Mas em termos de oportunismo político, ninguém bate Fernando Medina. Apoiou sempre o ainda Presidente do Benfica, ia frequentemente aos camarotes da Luz, também integrou comissões de honra de LFV. Mas mal LFV começou a dormir a sua primeira noite na prisão, Medina veio a correr distanciar-se do presidente suspenso do Benfica (Medina fez exactamente o mesmo com Sócrates). Não sei o que é pior, se o oportunismo, se a cobardia.

Como se tem visto com os vários casos que envolvem o presidente da Câmara, Medina nunca sabe de nada, depois mente e esconde, e finalmente foge ou exonera. Nunca é culpado de nada. Como é que uma pessoa que nunca sabe nada, chegou a presidente da capital do país? Eis um dos maiores sinais do estado lamentável da política portuguesa, onde domina cada vez mais o princípio da sucessão, no caso de Costa para Medina. Até nisso, em Portugal, a política e o futebol se parecem cada vez mais um com o outro.