O Príncipe Metternich, estadista austríaco, escreveu o seguinte há quase 200 anos: “O objecto, alvo de legislação em excesso, transforma-se no contrário daquilo que se pretendia evitar” (minha tradução).

Olhando-se para o quadro jurídico português, em particular no que às matérias de corrupção diz respeito, só podemos concluir que ninguém liga peva ao Príncipe. É que são tantas as leis que ninguém se entende. Quem fica a ganhar? O infractor é claro. E alguns advogados.

Lembrei-me da frase acima escrita, por ter ouvido – com espanto – que o nosso Presidente da República, logo secundado pelos infractores, entende que se devem efectuar alterações à lei que estabelece as regras de nomeação para cargos governamentais.

Mais leis? Valha-me Deus! Já estou a ver a discussão em comissão e em plenário, as audições às Ordens e aos Provedores (não esquecendo sindicatos), as alterações que o Constitucional vai mandar fazer, etc., etc. E para quê? Para que as mesmas pessoas que agora demonstram não ter vergonha na cara, poderem afirmar que cumprem a lei?! Para que dois ou três escritórios de advogados de Lisboa (aqueles que conseguem ter meia dúzia de funcionários a estudar em exclusivo a matéria em questão) aumentarem a sua facturação? É que, como é bom de ver, a discussão vai passar a ser técnica, discutindo-se as linhas de parentesco, as consanguinidades, os casamentos e as uniões de facto, os filhos adoptivos ou naturais (será que um filho em barriga de aluguer cai nas impossibilidades?). Ou seja, a costumeira salganhada, que vai dar a hipótese – aos mesmos do costume – em irem à televisão expor os seus doutos conhecimentos sobre a matéria.

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Já todos vimos este filme e é mau. No tema corrupção, no tema enriquecimento ilícito, na fraude financeira, no colarinho branco em geral. Lembremo-nos que, para provar a corrupção tem que existir corruptor, corrompido e contrapartida. Não era mais simples que fosse apenas penalizado o corrompido? É que a responsabilidade última é a de quem aceitou o favor ou o dinheiro. Quem merece estar preso? O sucateiro ou o Vara? Eu não tenho dúvidas. Claro que a simplicidade não ajuda o infractor. Com a complexidade existente os processos arrastam-se anos sem fim, os causídicos amealham e os criminosos riem-se. Quem fica a chorar? Os do costume. Aqueles que pagam.

Mas voltemos ao famigerado familygate. Como de costume, a culpa já é do mensageiro. Em vez de se aplaudir o jornalismo de investigação, que, corajosamente, expõe este escândalo, rebaixa-se o tema para o nível da má-língua, da coscuvilhice. Não, não é. É um tema de enorme importância, que não deve – não pode – ser deixado cair no esquecimento. No entanto, a mesma imprensa que tem denunciado esta vergonha, sente-se “obrigada” a falar de casos do passado. Mas essa é uma armadilha, para que, ao preocuparmo-nos com o passado, desculpabilizemos o presente. Mas então uma coisa desculpa a outra? A quem interessa passar a ideia de um quasi direito consuetudinário, nesta matéria?! Aos infractores do presente, digo eu.

A questão é política e é pública. É política porque se os comunistas e trotskistas, parceiros do PS, tivessem um pingo de vergonha – está á vista que não têm – retiravam a dita confiança ao governo. E é pública, no sentido em que é preciso que o público continue a ser devidamente informado sobre o carácter de quem os governa, afim de, quando chamado a votar, decida não só por ter passes mais baratos, mas também por conhecer a verdade.

Lembrem-se, sff, do Metternich.

Advogado