As ruas de Lisboa estão recheadas de anúncios publicitários exteriores relativos a um espetáculo exibido num dos mais famosos palcos da capital até ao início do próximo mês. A peça, de seu nome Monólogos da Vagina, melhor seria apelidada de “Monólogos da Chacina”, dado que massacra as mulheres e o seu íntimo, bem como tantas crianças que se cruzam com os seus reclames.

É excessiva a quantidade de cartazes na cidade alfacinha que promovem a representação teatral. Poucos jovens devem saber que no mesmo recinto podem assistir à peça A Pequena Sereia, encenada por Filipe La Féria, uma vez que esta, dispensada de apresentações, é consideravelmente menos publicitada, infelizmente. Em contrapartida, já quase todas as crianças se devem ter dado conta de que os intrigantes monólogos estão em cena, dada a inevitabilidade de repararem nalgum dos inúmeros placards urbanos.

O espetáculo só permite a entrada a pessoas com pelo menos 16 anos, mas nada impede que uma criança, despertada pela curiosidade, aceda a um dispositivo eletrónico e pesquise na internet pelo espetáculo teatral escrito por Eve Ensler. Se o fizer, deparar-se-á, muito provavelmente, com vídeos de edições anteriores onde atrizes falam de forma grosseira da sua genitália.

Não se pretende defender uma posição em que se oculte a sexualidade às crianças e jovens. Porém, a banalização de assuntos da intimidade da figura feminina, que é o que originam estes monólogos, é perigosa e pouco prudente, pois facilmente conduz a uma materialização do próximo e a um uso desordenado do sexo. Urge alertar os jovens, caso manifestem curiosidade ou dúvida, para a impertinência deste espetáculo, que trivializa o que é íntimo e corrompe o que é belo. Numa página online que promove o evento é referido que na peça se abordam “temas de alguma controvérsia, mas que devem ser falados e sem tabus”. De acordo, devem ser falados e sem tabus, mas num contexto educativo e pessoal e não de forma jocosa numa das mais icónicas salas da capital portuguesa.

Agradeço aos meus avós, que, quando era criança, me levaram ao mesmo recinto para assistir à peça A Canção de Lisboa, de Filipe La Féria. A história de Vasco Leitão, que depois de uma vida boémia e fútil se redime e se torna num exímio estudante de medicina, é certamente mais pedagógica do que um monólogo sobre menstruação ou roupa interior. A cultura deve ter para os jovens um caráter educativo e a vulgarização do sexo tira-lhe automaticamente esse caráter. Oxalá que na Rua das Portas de Santo Antão não se exibam mais peças ordinárias e promíscuas, que apregoam quebrar tabus de forma divertida. Como pode ser divertido destruir a intimidade da mulher em palco?

Escusado será dizer que a chacina se dá tanto em miúdos como em graúdos. A hipersexualização da sociedade, por tornar o íntimo em superficial, despoleta comportamentos violentos e abusivos quando, por exemplo, um dos membros de um casal não consente nalguma prática que considere invadir o seu espaço privado. Pena que se esbanjem tantos fundos a propagar uma encenação pobre e corriqueira num país onde a cultura que vale a pena carece de investimento.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR