Num recente artigo, Francisco Teixeira da Mota, cuja coluna sigo há décadas, interpelou-me de forma tão irónica acerca de um texto que eu publicara há cerca de um ano, que fiquei sem saber ao certo se ele estava a gozar comigo… Tratava-se da proposta do PS e do BE para liberalizar a eutanásia. Ao longo de uma pretensa sátira sobre os artigos do «Observador» acerca dessa questão, Teixeira da Mota pede repetidamente que o «deixem morrer».

Começa por aí e por aí acaba, depois de ter equiparado o meu texto aos de outros colaboradores do «Observador», o que ele sabe não corresponder às intenções de uns e de outros, como se escrever em determinado jornal fizesse dos autores fotocópias uns dos outros. Ora, cada um fala por si e eu certamente nunca o proibiria de morrer; nem o contrário. A língua portuguesa é traiçoeira mas não pude deixar de reparar que ele repete sempre a sua sarcástica súplica na forma gramatical reflexa: «Deixem-me morrer»; «queria só que me deixassem apagar-me em paz». Mas eu deixo!

Teria sincera pena mas nunca me passaria pela cabeça impedi-lo disso! Aliás, como proíbi-lo? A lei proíbe, isso sim, de matar seja quem for. Ora, era isso que eu pretendia recordar aos leitores do «Observador» quando protestava contra o facto de o governo e os seus acólitos pretenderem autorizar os médicos a matar os doentes que lho pedissem. Porquê os médicos e não os familiares ou os amigos? A minha resposta foi sempre a mesma: ninguém pode ser autorizado a matar, nem o Estado pode fazê-lo.

No meu texto de total discordância com a descriminalização da eutanásia por quem não sabe efectivamente do está a falar, tentei explicar que, quando vou ao hospital, é para que os médicos e os outros profissionais de saúde me salvem se puderem. Um dia deixarão de podê-lo, infelizmente. Entretanto, eu concordo em pagar, directa e indirectamente, esse serviço único que só eles podem prestar e prestam-no milhares de vezes nas suas profissões.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

É por isso que a medicina é a rainha das profissões e eu não quero que deixe de o ser. Ao mesmo tempo, sei e aprecio que os cientistas trabalhem todos os dias para encontrar soluções que não existiam ontem, tanto em meios de diagnóstico como em medicamentos, em terapêuticas e, cada vez mais, em cuidados paliativos. Mas tudo isso é caro; a eutanásia é mais barato! É pura ideologia pretensamente fracturante pedir aos médicos que nos «ajudem a morrer», coisa que de resto já fazem todos os dias quando nada mais há a fazer, mas a medicina nunca foi tão capaz como hoje de nos fazer viver cada vez mais e com melhor qualidade de vida. Deontologicamente, não se lhes pode pedir as duas coisas.

Quando eu nasci, a esperança de vida média de um português do sexo masculino era 49 anos. Neste momento, já ganhei quase 30 anos à estatística mas o meu irmão, infelizmente, só ganhou um ou dois: a isso se chama uma média que não tem cessado de subir! Não era Fernando Pessoa quem perguntava: «Se te queres matar porque não te queres matar»? Ao mesmo tempo, quando entrou pela última vez no hospital aos 47 anos, ele deixou escrito: «Tomorrow will be another day», mas nessa noite a manhã não chegou…

Os profissionais de saúde sabem perfeitamente o que têm de fazer quando estamos gravemente doentes e é nesse sentido que os cuidados paliativos não têm parado de se desenvolver. No dia em que a participação activa dos médicos na morte dos doentes, a pretexto de que estes estão em grande sofrimento (como medi-lo, aliás?), conforme parece implorar o cronista do «Público», nesse dia, o que sucederia é que haveria uns quantos profissionais dispostos a fazer da eutanásia o mesmo tipo de negócio que se faz com os abortos, apesar de a gravidez não ser propriamente uma doença e de os abortos poderem ser feitos nos estabelecimentos públicos…

Isto não faz de mim o católico obscurantista que não sou. Com efeito, a eutanásia deve continuar a ser proibida a fim de não se transformar num negócio ou, pior, num processo de eugenia, como já se passa em certas situações. Importante é que, quando se descobrir ou alguém assumir que participou numa «morte assistida», a questão seja julgada e a sentença adequada ao caso de familiares ou amigos que o fizeram perante o genuíno pedido de alguém incapacitado de cometer suicídio pela própria mão; muito diferente, porém, é o caso de se provar que, afinal, o autor da proeza beneficiou de algum modo com a morte do «assistido». Se no primeiro caso se pode e deve aplicar uma «pena suspensa», no segundo os autores terão de responder pelo crime.

Não percebem os defensores da eutanásia que a facilitação desse negócio só contribuirá para debilitar a confiança das pessoas nos médicos e nos outros profissionais de saúde, bem como para enfraquecer o empenhamento da sociedade na procura da cura da doença ou dos meios paliativos quando não se encontre cura? Entretanto, espero que os políticos de serviço revejam seriamente uma decisão vital como esta – e não estou a jogar com as palavras!