1 A litania perseguiu-nos incansavelmente. Ao princípio, soava-nos como uma reação política que podia ser verosímil; depois ia sendo cada mais igual, e finalmente, isto é, 14 meses depois (!) tornou-se inaguentável: “deixemos a justiça funcionar”, António Costa dixit.

Apetecia perguntar a Costa, primeiro-ministro de Portugal há oito anos, a qual Justiça se refere. A que aí está? A que dá pelo nome mas não está? A que se foi estilhaçando por entre esta governação já longa? A ladainha incomoda por mais de uma razão: primeiro porque não haver Justiça; depois porque fazer crer que ela existe faz de nós um bando de imbecis; e finalmente porque a política — e por isso a governação — não pode confundir-se com repetições monocórdicas de frases feitas e clichés inconsequentes. Umas e outros atirados para o ar da media como a melhor — ou devia dizer a “única”? — resposta para situações duvidosas e/ou obscuras e já lá vai um bom par delas. Quando um chefe de governo mais nada tem a dizer ao seu país após a décima terceira ou décima quarta demissão do seu governo senão uma frase que ele sabe sem futuro, nem destino, que se pode esperar ainda dele? A menos que se dê por satisfeito (?) com um tardio texto que publicou há dias aqui no Observador. Pouca sorte: o escrito não aqueceu, nada arrefeceu, a ninguém convenceu: o seu autor ficou a meio de uma ponte que não apetece atravessar.

2 Qual era o delito que não percebemos bem? Buscas de supetão às sete da manhã em casa de um cidadão de cuja seriedade nunca levantou suspeitas? Computadores, papéis, telemóveis que de também de supetão abalam da sua morada? Televisões que se não estavam avisadas parecia que estavam? Alarido, conversas de varanda, espectáculo? Quanto mais ele durava mais o nível da água da democracia descia. Que tem de estar a acontecer no país para o Ministério Publico ter caído disto abaixo? Lucília Gago, Procuradora Geral da República sabia desta operação relâmpago? E concordou com ela? Ou não sabia e… pior?

Rio defendeu-se com o humor – não faz, digamos, o meu género preferido de intervenção política -. mas a sua perplexidade que se imagina imensa levou-o para isso. Humor tristíssimo, num caso perigoso. Ou que — modestamente e sem formação jurídica — assim me parece. Os sinais vermelhos políticos são para ser acionados. É o caso: expliquem-nos o delito e o comportamento.

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3 Percebi, tardiamente aliás, que ninguém jamais nos explicará o que ocorreu com o SIS há semanas atrás: eis um sinal vermelho que nunca será accionado, o que prevaleceu foi o mistério e o mutismo. Mau sinal. Mas que dizer também das notícias que vamos tendo sobre o estado de eficácia e responsabilidade do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), quando sabemos a vital importância de um serviço público com estas características? Se lhe juntarmos a recente derrapagem do Ministério Público e o obstinadamente opaco silêncio do SIS, quantas portugueses normalmente constituídos dirão que estamos bem entregues?

4 Esta mistura insalubre, ou melhor, esta articulação insalubre entre factos, silêncios, abusos de poder, comportamentos irresponsáveis, desconfianças, suspeitas e — sim, sim – corrupção a granel está a tornar-se tão tóxica que me interrogo, a sério, sobre quem ainda queira um dia, quando o vento rondar, pegar “nisto”. Quem acredite que consegue protagonizar a recusa de uma prática política que não provou — nem no desígnio, nem no resultado – para um entendimento dela norteado pela responsabilidade e pelo serviço. Os estragos operados por esta governação não iludem ninguém. E nalguns casos — Educação — são devastadores; noutros – Justiça –, sulfúricos.

E no entanto… mais importante do que saber quem se propõe combater e inverter o “downgrading” a todos os níveis, ocorrido no país, importa muito mais saber se há portugueses disponíveis para corresponder a tão ciclópica empreitada. Haverá?

Um dia, lembro-me bem, Passos Coelho havia de me dizer — e eu tomei boa nota — que não sabia porque haveria de voltar à política se os portugueses não queriam nada do que ele teria de fazer para mudar as coisas, (“continuo com a maior das dúvidas que o país queira realmente mudar estruturalmente qualquer coisa de importante”). Por mim gostaria de um país — e não de um sítio — onde não se (sobre)vivesse entre as “garantias” da pertença ao funcionalismo público e as esmolas externas.

No estado da arte será pedir demais? Ou Passos Coelho tem razão?