Num tempo global e de pandemia, a velocidade das comunicações e da informação obriga-nos a um filtro constante perante a propagação de fake news, a um ponto tal que se multiplicam os sites de fact-check. Este factor não é novidade e a tendência, pelo próprio propósito de quem espalha a desinformação, é que aumente. O que não deixa de ser contraditório é que alguns dos órgãos de comunicação social mais tradicionais, vinculados a um redobrado dever de informar com rigor e isenção, perpetuem, de forma inaceitavelmente comum, a transmissão de dados falsos e reveladores de métodos de informação duvidosos. No final de cada dia não é a imprensa que perde, é Portugal que se subtrai.
O olhar daqueles que catalogam uma população, comunidade ou área com etiquetas de inferioridade não é facciosismo regional, mas cegueira movida pelo pior dos absolutismos: o da ignorância. A cultura bairrista existe e até é recomendável que se mantenha, numa dose razoável, desde que não asfixie interesses comuns. Quem pode censurar os sentimentos de orgulho nas virtudes da sua terra natal ou reprimir aqueles que desejem o melhor para os pares que habitam nas ruas que os viram crescer?
O problema não reside nesta salutar afeição que cada um, eventualmente, tenha ao “seu” território. A gravidade está na lente daqueles que assumem a interpretação do presente e cultivam ou secam as oportunidades do futuro.
É particularmente inadmissível conspirar, com base na absoluta vontade da ignorância, entrincheirando regiões, por alegada insuficiência ou ineptidão das suas gentes. A longitude e a latitude de Portugal nunca fixaram características significativamente diferenciadoras entre os portugueses.
Aliás, é falso que a Norte, por exemplo, a população seja menos desenvolvida, menos habilitada ou mais pobre face ao resto do país. Não só as taxas de escolarização da região apontam precisamente para um crescimento real dentro da média nacional, mas também a riqueza que se tem gerado, em Portugal, é produto do esforço de todos os portugueses do Norte, do Sul, do Oeste, do Interior e das Ilhas, sem excepção. O incremento do produto interno alavancado pelo crescimento do PIB em todas as regiões demonstra-o claramente. Esta é uma marca de água de um povo audaz que não se amedronta com os obstáculos.
De todo o modo, no meio da surdina, os dados indicam-nos que existem consideráveis assimetrias em função das regiões. Estas disparidades têm cavalgado um fosso que, ao diferenciar em função do território os graus de oportunidades dos portugueses, beneficiaa os grandes centros urbanos – com destaque para a área metropolitana de Lisboa – pulverizando o resto do país.
Contudo, desenganem-se aqueles que acreditam que os múltiplos casos pontuais são reflexos circunscritos aos tratamentos de uma certa imprensa. Antes são um espelho das decisões, essas sim, conscientes e enraizadas numa cómoda agenda governativa que persiste, há décadas, em tomar opções centralizadoras, que dividem Portugal.
Se numa face da moeda mediática temos a ignorância, na outra torna-se cada vez mais clara a opção política por um poder central e administrativo que desconsidera a capacidade das gentes do Norte, abandona o Interior à sua sorte, desinveste no património científico que tem morada no Centro, subaproveita os recursos do Alentejo, só valoriza o Algarve no Verão, estranha o enorme potencial geopolítico que os arquipélagos dos Açores e da Madeira nos conferem e, de forma hiperconcentrada, estrangula a vida na região de Lisboa, tornando-a inacessível para quem aí nasceu ou escolheu viver.
Ainda que a unidade dos portugueses subsista, com a coragem que forma esta Nação Valente, certamente que a sua vocação para o desenvolvimento, enviesada a hipótese de encontrar na imprensa estabelecida um domínio plenamente moderado e esclarecedor, vê-se engolida por um Estado montanhoso que desequilibra as oportunidades de cada um. Bem mais do que sentidos de Estado vazios e palavras acríticas de apelo ao patriotismo, a integridade de Portugal bem que pode recomeçar por aqui: combatendo as mentalidades, que anseiam esquartejar a população (amontoando uns e ignorando outros), e fazendo crescer um país em que o local de nascimento ou a morada de residência não condicionam o presente e o futuro dos seus cidadãos.