Esta crise foi provocada por uma pandemia e a forma dela sairmos dependerá de como evoluir, sobretudo em Portugal e na Europa. As boas notícias são que a competição e a cooperação entre laboratórios e unidades de investigação, irão rapidamente produzir uma vacina. Por um genuíno interesse público de salvar vidas, doentes e serviços de saúde e pelo prestígio científico e académico que trará.  Já haverá 82 vacinas a ser produzidas, 3 já em estado de testes.

O período que levará até termos a descoberta da vacina, a sua produção em massa e sobretudo a sua disponibilização generalizada ao Serviço Nacional de Saúde português, estima-se que seja um ano, a ano e meio. Só depois disso regressaremos à normalidade. Agora, temos um período em que entraremos de forma mais aberta a 3 de Maio, de liberdade económica condicionada, em que as atividades económicas nacionais e intercomunitárias deverão seletivamente abrir sob pena  de pagarmos uma factura económica e social muito elevada. Ao decidir o que abrir, quando, como e onde abrir, é preciso ter uma ideia clara qual a normalidade que queremos alcançar. O governo, e o Ministério da Economia, em particular, ao canalizarem os incentivos para  a economia devem saber para onde querem ir. Queremos reproduzir o tecido produtivo exatamente como estava antes da crise, ou aproveitar a crise para reorientar algumas atividades e inovar? Isto é, vamos considerar que viagens, turismo, capacidade aeroportuária e restauração são o ómega e o alfa do crescimento económico e emprego português? Vamos aceitar que haja alguma “destruição criativa” nesta crise (no sentido de Schumpeter) ou o objetivo é salvar todas as empresas?

A estratégia económica, incluindo nela a velocidade de abertura nesta nova fase de liberdade económica condicionada, e as medidas de política orçamental a adotar terão impactos significativos nas contas públicas que ainda é cedo para quantificar. Em final de Maio, com os dados da execução orçamental de Abril (um mês inteiro de confinamento) e mais informação do INE, será a altura ideal para o fazer com previsões mais realistas que as desta semana do FMI. Porém, já é possível uma discussão qualitativa pois já se sabe que haverá um efeito automático da contração severa do PIB, com o aumento do desemprego, a redução das receitas públicas, o ressurgimento em força do défice público, e  aumento substancial do peso da dívida pública, pelo efeito conjugado do défice e da queda do produto em 2020. Espera-se alguma recuperação económica em 2021.

Há basicamente três tipos de medidas, estas discricionárias, que podem ser adotadas:  austeridade (cortes de salários, ou pensões ou subida de impostos), contenção (congelamento de salários e pensões e estabilidade fiscal) ou intervencionista (aumento da despesa pública seja no pessoal nas pensões ou no investimento público). A via que defendo para o ano 2020 e 2021 é no essencial a da contenção orçamental, apenas com aumento discricionário da despesa  associada à crise nas medidas já previstas (reforços no SNS, pagamento de parte do layoff pela segurança social, pais em casa a tomar conta dos filhos, etc.) o que associado a uma inflação nula, significa uma manutenção dos salários e das pensões reais.

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Todos percebem, à excepção da CGTP e do PCP, (creio que até o BE percebe) que não há  condições económicas para subidas discricionárias de salários (para além das que decorrem da progressão ou promoção na carreira) e pensões nesta conjuntura, e nestes dois anos, mesmo que o PIB crescesse em 2021 cinco por cento (FMI), pois este crescimento nem chegaria para anular a recessão esperada para 2020. É com agrado que vejo Carlos Silva, secretário geral da UGT assumir a necessidade de renegociar os salários da função pública à luz da nova realidade do país. Dezenas de milhares de trabalhadores foram lançados no desemprego, mais de um milhão está com salários reduzidos, aumenta a pobreza e as mortes. Neste contexto, pretender aumentos salariais, é, do ponto de vista da justiça distributiva, politicamente inaceitável.

Resta argumentar porque não deve haver austeridade e descida dos salários. Há razões económicas, que se prendem com a necessidade de relançar o consumo privado, motor do crescimento económico (2/3 do PIB). Relembrar que em 2012, quando foram cortados dois salários (e duas pensões), tivemos a pior recessão da década de 2010. Ou seja, parte dos cortes salariais, pelo efeito negativo na economia não se repercutem numa redução do défice público. Há também razões de justiça distributiva, pois desde 2009 os salários estiveram ou congelados, ou cortados, estando as progressões nas carreiras suspensas até 2017. O equivalente, mutatis mutandis não aconteceu no privado. Aquilo que era importante, e nisso não deve haver contenção é implementar o programa de investimentos públicos e promover sistemas de incentivos ao investimento privado, mas sem ser com subsídios a fundo perdido.

Fica então a questão final de como financiar esta dívida crescente. Felizmente temos uma francesa (Lagarde) e um italiano (De Guindos) na presidência e vice-presidência do BCE. Estamos relativamente seguros que não haverá fragmentação do mercado monetário europeu a penalizar os países com dívidas mais elevadas, apesar de as agências de rating (Fitch, Moody’s e S&P) já estarem a baixar as notações de empresas, bancos e alguns soberanos. O BCE a comprar dívida portuguesa no mercado secundário e o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) a conceder algum crédito (até 2% do PIB) ajuda, mas está longe de chegar. Apesar de fazer sentido o apoio veemente de Macron e Costa, ainda não será desta a emissão de obrigações europeias. Já se percebeu que algum apoio europeu, diferenciado pelos estados membros (a discutir no conselho europeu desta semana) será através do orçamento europeu e do fundo de recuperação das economias mais afetadas pela Covid-19, a criar.

Finalmente, sugiro uma medida que me parece fazer todo o sentido no contexto actual. O pagamento de metade dos subsídios de férias e de Natal de todos os trabalhadores em funções públicas em “Certificados de Aforro Solidários Covid-19”. Estes certificados, que só poderiam ser resgatados após três anos, com as habituais excepções (doença, desemprego, etc.) poderiam ser subscritos adicionalmente por qualquer  particular e dariam um financiamento adicional ao Estado. Seria uma forma de os trabalhadores em funções públicas darem o seu contributo, precisamente por não terem sido penalizados salarialmente, aumentava a poupança nacional e não aumentava a dívida externa, numa altura em que as viagens e as férias serão cá dentro. Agora é a altura certa para lançar esta medida que poderia financiar o Estado entre 2 mil e 4 mil milhões de euros (consoante a adesão dos trabalhadores do privado). Conseguiríamos internamente mobilizar quase tantos recursos como a Europa nos concede através do MEE.

A analogia desta pandemia com uma guerra é excessiva, mas adotemos a estratégia de financiamento da guerra com empréstimos de muito longo prazo (como deveriam ser os europeus) e com o apelo à poupança e à solidariedade dos portugueses.

PS. O 25 de Abril é uma data histórica e marcante da nossa democracia e foi dos dias mais felizes da minha vida, bem como o período subsequente. Deveria ser uma data celebrada por todos e pela Assembleia da República, mas é motivo de quezília política. Não vejo razões para não o celebrar oficialmente, mas não consigo perceber porque é que a Conferência de Líderes da Assembleia da República não conseguiu encontrar um consenso sobre a melhor forma de o celebrar (local, cumprimento de regras sanitárias do estado de emergência, etc.).