Defendo a união da direita desde que António Costa criou a sua geringonça. A partir do momento em que PCP e BE se comprometeram a viabilizar um Governo socialista, tornou-se evidente que apenas com maioria absoluta a direita regressa à governação. Mas uma união, de preferência a fusão num só partido político, não é uma geringonça. Uma união pressupõe um acordo com visão de futuro, implica já de si um futuro comum, prefigura um projecto de governação apresentado ao eleitorado, discutido e aprovado por este. Implica legitimidade. Antecipa mudança. Pretende muito mais que tão só evitar que outros sejam Governo. Para isso serviu a geringonça. A lição que o país retira da experiência de António Costa não é que é possível governar sem ganhar eleições, mas que é impossível governar devidamente quando não se vencem eleições. Sem transparência não se governa. Consente a que se fique cinco anos no Governo, mas a marcar passo. Nada mais.

Regresso a este tema na semana em surgiu a oportunidade de a direita voltar a ser Governo nos Açores, e porque os Açores se tornaram numa antecâmara do que pode ser feito no continente. Compreendo a tentação que é dar a provar aos socialistas o veneno que estes criaram. Sucede que esse veneno já foi tomado pelo PS em 2015. Na altura, Costa justificou o acordo com a esquerda radical, alegando ter derrubado um muro. Cinco anos depois, este continua de pé e o Orçamento do Estado será aprovado com a força das abstenções. Ora, não se governa encolhendo os ombros, menos ainda num período como o que atravessamos. Cinco anos depois da criação da geringonça, está à vista que nada mudou e que o esquema de Costa pouco mais serviu que para impedir a continuação da anterior governação. Nem o muro caiu, nem a esquerda se uniu, nem os problemas estruturais do Estado português foram minimamente atenuados. Sim, é verdade, em 2019 conseguiu-se um excedente orçamental. Mas foi à custa de cativações no SNS (dinheiro que agora tanta falta faz), da ajuda do BCE e, mesmo assim, a dívida pública cresceu. Aumentar a dívida pública com excedente orçamental, isso sim, é um feito histórico.

Tirando ser Primeiro-Ministro cinco anos, tirando o ter dado aos seus camaradas a possibilidade de ocuparem cargos no Estado, António Costa não conseguiu mais nada. A prova está na força com que o Bloco bateu com a porta. Pragmático como é, o BE percebeu que o período de Costa enquanto Primeiro-Ministro termina para o ano. Depois da pandemia, da presidência portuguesa da UE, do fim definitivo das moratórias, após seis anos de governação, dos quais dois sem acordo escrito que dê um mínimo de estabilidade, é provável que António Costa saia no Verão de 2021. Se tal acontecer, as eleições até poderiam coincidir com as autárquicas, razão pela qual o BE já está em campanha.

É isto que a direita quer? Ir para o Governo, distribuir lugares para dar a vez a outros quando o ciclo terminar? Se sim, se há quem no PSD, no CDS e na IL assim pense, é porque ainda julga viver nos anos 90. O centro político, no sentido de a mudança de Governo não implicar grande alterações no rumo a seguir, já não existe. Pode ainda haver moderação, bom-senso, debate político, mas a crise económica e financeira (a dívida pública) que mina a capacidade do Estado e a confiança dos cidadãos no próprio sistema político, o novo isolacionismo dos EUA (que continuará, mesmo depois de Trump) que deixam a Europa à sua mercê, não ajudam a consensos alargados. A polarização está aí. Perante os problemas, somos confrontados com dois blocos, dois modelos governativos: um é liberal e o outro iliberal. Ou, se preferirem, um é não socialista e o outro é simplesmente socialista. Quem governar mal, perde.

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É por este motivo que a direita (o lado liberal não socialista) não deve regressar ao Governo com umas ideias alinhavadas em cima do joelho. Tem de ter um projecto específico, bem pensado, bem trabalhado, devidamente debatido, devidamente apresentado ao eleitorado. As lideranças dos diferentes partidos que a compõem devem conversar, têm de se entender. Terão de chegar a acordo. Só dessa forma poderão formar Governo. Só desse modo marcarão a diferença. E só dessa maneira, até porque o PS sem Costa se divide, consegue apresentar um partido, um verdadeiro bloco partidário, capaz de alcançar maiorias nas eleições e governar de acordo com o programa que escolheu e apresentou a quem vota.

O leitor deve estar a pensar neste momento sobre o Chega. O partido de André Ventura entra neste acordo liberal não socialista ou é excluído? Há dois aspectos nesta matéria que se devem ter em consideração. Em primeiro lugar, e sendo a separação entre liberais e iliberais (ou não socialistas e socialistas), questiono-me se o Chega (não me refiro a todos os seus eleitores) não se enquadra melhor no segundo campo do que no primeiro. Depois, e mesmo que opte pelo lado liberal, o mais provável seria que o seu eleitorado acabasse por se diluir num grande partido com um discurso claro e com boas perspectivas de vencer eleições e governar de forma convincente.

Como Rui Albuquerque referiu muito bem ontem aqui no Observador, de nada serve à direita ir para o governo com uma geringonça, uma verdadeira manta de retalhos. Não serve para o país, que continuaria a perder tempo, nem para a própria direita liberal que se descredibilizaria de vez. Para fazer igual já tivemos a experiência da esquerda. Correu mal. Por muito que o mal tente, há que ter cabeça fria.