Pelos vistos, algumas pessoas ainda não aprenderam. Esta semana, depois de o Chega ter encenado um protesto ruidoso contra Lula da Silva no Parlamento, António Costa apressou-se a tentar arranjar culpados para tudo aquilo que não lhe agrada no país. Confrontado com acusações de que o PS passa os seus dias a falar sobre o Chega e as suas noites a sonhar com o Chega, o primeiro-ministro bufou: “Eu não tenho nenhum canal de televisão, não tenho nenhuma rádio ou jornal. Quem lhes dá visibilidade? São as televisões, as rádios, os jornais ou é o primeiro-ministro? Os senhores é que lhes dão visibilidade”.

Há um velho e reiterado equívoco nas palavras do líder do PS. É que, ao contrário do que muitas vezes pensam governantes e líderes partidários, os jornalistas não fazem política — fazem, como o seu próprio nome indica, jornalismo. Ou seja: noticiam, investigam e descodificam assuntos complexos com o objetivo de esclarecer pessoas que procuram ser informadas. Não pretendem mudar o mundo; pretendem explicar o mundo.

O pior que pode acontecer a um espectador de televisão, a um ouvinte de rádio ou a um leitor de jornal é acordar no dia a seguir às eleições surpreendido pelos resultados, num estado de choque e espanto com o que aconteceu na véspera, subitamente transportado para um país que não conhece nem reconhece porque os meios de comunicação social que segue se refugiaram numa realidade alternativa.

Foi exatamente isso que sucedeu, por exemplo, aos leitores do New York Times a 9 de novembro de 2016. Nessa manhã, eles perceberam, ao levantarem-se da cama, que mais de 62 milhões de americanos tinham votado em Donald Trump, o que lhe daria uma maioria no Colégio Eleitoral e, consequentemente, a presidência dos Estados Unidos. Que pessoas eram aquelas que apoiavam Trump? De onde tinham saído? O que é que pensavam e o que é que queriam? Porque é que ele tinha sido um candidato tão eficaz? O jornal que liam todos os dias não lhes tinha dado resposta a nenhuma dessas perguntas antes das eleições e, por isso, os leitores estavam perplexos e incrédulos com um país que não sabiam que existia. O abalo foi tão grande que o diretor do New York Times fez declarações públicas a garantir e a jurar que as coisas iam mudar no jornalismo que faziam. Dean Baquet não foi nada autocomplacente: “Temos de trabalhar mais, temos de estar mais tempo nas ruas, temos de andar mais pelo país, temos de falar com diferentes tipos de pessoas e temos de estar sempre a lembrar a nós mesmos que Nova Iorque não é o mundo real”. A provedora do jornal recomendou um “período de auto-análise” ao New York Times e transmitiu aos leitores “a esperança de que os editores reflitam profundamente sobre aquela metade da América sobre a qual o jornal raramente escreve”.

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E atenção: apesar de tudo, o New York Times escreveu longamente sobre a candidatura de Trump. Já o site Huffington Post decidiu, durante a campanha presidencial, que o noticiário sobre ele seria colocado na secção de Entretenimento e não na secção de Política, por entenderem que não se tratava de um candidato sério. É difícil dizer se esta decisão do Huffington Post foi uma demonstração de militância ou de humor, mas é seguro afirmar que não foi uma demonstração de bom jornalismo.

Há um outro engano nas palavras de António Costa. É que, ao contrário do que a afirmação do primeiro-ministro indicia, as televisões, as rádios e os jornais não têm, felizmente, poder suficiente para elegerem quem preferem e para prejudicarem quem entendem. Há uma frase célebre de um antigo diretor de um canal de televisão português segundo a qual uma estação que tem 50% de share consegue vender “o Presidente da República” tal como “vende sabonetes”. Trata-se de uma fantasia megalómana: não consegue. Mais: não deve tentar conseguir. Um meio de comunicação social que assume como missão promover ou travar um determinado político não é um jornal — é um panfleto. António Costa devia conhecer a diferença entre as duas coisas.

Um jornal, uma rádio ou uma televisão não são plataformas de eleição — são plataformas de informação. Abusando do esforço e praticando a humildade, um jornal deve tentar explicar aos seus leitores o mundo como ele é e não o mundo como eles gostariam que fosse. É tão simples, ou tão complicado, quanto isso.