No final do Agosto passado, Nicholas Kristof escreveu, no New York Times, um artigo cujo título era «Os republicanos estão certos: há um partido que é “anti família e anti crianças”». O objetivo do colunista era mostrar como, factualmente falando, existe realmente um partido “anti família e anti crianças”, mas que esse partido é, muito provavelmente, o republicano.

Kristof elenca um conjunto de argumentos fortes. Por outro lado, se olharmos para o concreto da política republicana, os estados republicanos são aqueles onde os bebés têm mais probabilidade de nascer de “mães solteiras” e onde as taxas de divórcio são maiores – se retirarmos da lista o Utah, claro. Mas, os estados republicanos são também aqueles onde é mais provável ser pobre, morrer jovem e abandonar o ensino secundário, assim como é o partido republicano que possui uma política mais liberal quanto à posse de armas, mesmo que esta seja a principal causa de morte entre crianças e adolescentes americanos. (Os dados não são meus, por isso, escusam de me bater a mim).

O colunista refere, ainda, a responsabilidade dos republicanos na inexistência de uma licença de maternidade paga garantida e de um serviço de assistência médica universal – o que torna três vezes mais provável uma criança de 5 anos morrer nos E.U.A do que na Eslovénia – sem esquecer a proposta republicana, contida no Projeto 2025, que propõe terminar com o Head Start, um programa de apoio transversal para a primeira infância de crianças nascidas em famílias de baixos rendimentos.

É verdade: parágrafos de tamanho idêntico poderiam ser escritos sobre as responsabilidades do partido democrata na destruição do tecido social americano. Mas este texto não é sobre política americana. Na verdade, é muito mais sobre as visões cada vez mais parciais e incompletas de mundo que temos.

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Há uns tempos, ainda nos Estados Unidos, por causa do aborto, o país foi mediaticamente dividido entre Pró-Vida e Pró-Escolha, como se ser a favor da vida fosse uma opção contra a liberdade, e ser a favor da escolha equivalesse à irresponsabilidade. A posição da Igreja Católica sobre o aborto tem sido muito clara e é inequívoca, mas seria extremamente incompleto reduzir a defesa da vida à oposição ao aborto e à eutanásia. Ser pró-vida e ser pró-família, é cuidar da vida que nasce, até ao fim. Não olhar só para a vida que nasce e a vida que morre, deixando tudo o resto num imenso intervalo anárquico.

Ser a favor da família e das crianças é, por exemplo, salvaguardar o ambiente, proteger um sistema político livre, plural e democrático, potenciar uma economia ao serviço do ser humano e não o contrário, promover a dignidade dos trabalhadores, o respeito pelos seus direitos, inclusive a sua remuneração equitativa e justa, e potenciar a destinação universal dos bens e a solidariedade como princípio social. Se assim não for, o nosso pró-vida e o nosso pró-família é só uma ideologia desprovida de verdadeira humanidade.

Ao contrário do que J.D.Vance – o candidato republicano à vice-presidência que, em certos momentos, parece se ter esquecido do que escreveu em Hillbilly Elegy – não se cansa de anunciar, a “destruição da família” não deriva do declínio moral. Pelo menos é possível equacionar outra hipótese. Deriva, acima de tudo, do declínio económico. Nos Estados Unidos, 70% dos cidadãos sem diploma do ensino secundário não estão casados, e quem nasce num lar com uma “mãe solteira” tem 5 vezes mais probabilidade de ser pobre do que quem nasce no contexto de um casal. E, face a isto, apetece citar o célebre slogan de outra campanha presidencial: “é economia, estúpido”. Fica só uma pergunta: se um sistema económico é uma antropologia, e uma antropologia conduz a uma moral, não será que é este sistema económico o pai do declínio ocidental que tantos anunciam?