“O que vem aí é mau”, disse o Presidente da República. Assim parece. A inflação mantém-se, os juros sobem. A Europa pode estar nas vésperas de uma crise energética. Perante tudo isto, o Presidente pediu a previsão do governo. Para quê? Noutros tempos, atribuiu ao Primeiro-Ministro um “optimismo crónico e às vezes ligeiramente irritante”. Quer agora ver essa bolha optimista rebentar ao toque frio da realidade? Espera, pelo contrário, que o optimismo inveterado de António Costa consiga descortinar um dia de sol por entre as nuvens escuras? A verdade é que o Presidente não foi exacto ou não se explicou bem quando definiu o chefe do governo como optimista. O poder de Costa pressupôs uma coisa que é precisamente o contrário do optimismo: a triste convicção de que a situação do país poderia piorar, mas nunca melhorar.
Já não nos lembramos, mas durante os governos de Cavaco Silva, os portugueses acreditaram no futuro, que o que estava para vir era bom, que eles ou pelo menos os seus filhos viveriam melhor. “Mudança” era então o grande slogan eleitoral. Ninguém tinha medo de mudar. Foi assim que se fizeram grandes reformas entre 1985 e 1995. A economia crescia, o país progredia nas tabelas europeias. Ninguém admitiria que pudesse ser de outra maneira.
Reparem: em 1985, o país tinha saído de dez anos com duas assistências do FMI. No entanto, não tinha deixado de acreditar em que as coisas pudessem ser melhores. A descrença actual não se deve simplesmente aos acidentes deste século, da crise financeira de 2008 à pandemia e à inflação. Resulta, acima de tudo, do modo como o poder socialista precisou de desacreditar todas as reformas necessárias para criar uma economia próspera e serviços públicos abrangentes e de qualidade, identificando-as com riscos e perigos inaceitáveis. Ao princípio, a oligarquia socialista ainda pareceu acreditar em melhorias por via da educação ou do “choque tecnológico”. Mas depois de ter provocado a bancarrota de 2011, percebeu que lhe convinha um cepticismo crónico e fortemente irritante para voltar ao poder e mantê-lo.
Em 2015, Costa desembarcou em S. Bento a pregar, ao lado da extrema-esquerda, que quaisquer reformas só poderiam significar uma catástrofe: redesenhar os serviços públicos de modo a integrar prestadores privados destruiria os serviços públicos, rever o Código de Trabalho provocaria uma vaga de despedimentos, liberalizar o arrendamento poria toda a gente a viver na rua, e por aí fora. As reformas eram a peste. Costa tinha duas razões para essa demonização. Por um lado, precisava de fazer de conta que o reformismo de Passos Coelho, e não o despesismo socialista, tinha sido a causa da austeridade. Por outro lado, as reformas consistem em aligeirar o peso do Estado na sociedade, e o PS assenta o seu poder precisamente no peso do Estado. Era portanto urgente caluniar as reformas. Foi assim que mudar se tornou uma coisa má. Costa vinha “repor” tudo como estava antes. Não era bom? Melhor era impossível. Em 2019 e em 2022, a maioria dos votantes conformou-se. A economia estagnou, o país regrediu nas tabelas. Mas era como se não pudesse ser de outra maneira.
O financiamento do BCE permitiu a Costa pôr o país a descer as escadas do declínio gradualmente. Agora, o fim do dinheiro barato faz tremer este reino de fatalismo medíocre. Já não se trata de descer as escadas, mas de cair por elas abaixo. Os funcionários públicos terão no ano que vem a maior perda de poder de compra desde 2010. Notem bem: maior do que no tempo dos cortes da troika. Vão conformar-se? Vão continuar a acreditar que melhor é impossível, e que mudar é um perigo? Ou vão perceber que enquanto Costa estiver no governo, nunca haverá boas notícias?