É triste, mas é a dura verdade. Em 2016, ano em que as taxas de juro do BCE atingiram o zero, foram deixados alguns avisos: cuidado que as taxas baixas são enganadoras, que é melhor não as usar como base para planos a longo prazo, pois uma subida deita tudo a perder. Os alertas assumiam importância redobrada em Portugal, com um um nível de endividamento superior ao PIB e um dos maiores do mundo. A fragilidade portuguesa era (e é) assinalável e condiciona fortemente a nossa soberania. Todo o cuidado era (e é) pouco.
Apesar disso, governo e presidência da República fizeram-se de desentendidos. Na verdade, desde 2008 que se mantinha uma tendência de descida após o máximo de 4,5%, ainda superior aos actuais 4%. Desde 2016 que o dinheiro foi barato e não era politicamente conveniente levar por diante reformas impopulares para acautelar cenários difíceis que poderiam ocorrer no futuro (ou seja, de preferência quando António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa já não estivessem nos seus cargos e não lhes fossem assacadas responsabilidades políticas da sua negligência).
Entretanto, devido às baixas taxas de juro do BCE derivadas dos elevados níveis de endividamento, a inflação bateu à porta e os Bancos Centrais foram forçados a subir o custo do dinheiro. Como normalmente sucede nestas ocasiões, os efeitos levam tempo a fazer-se sentir. Só presentemente o Estado começou a pagar os primeiros empréstimos a curto prazo contraídos com taxas mais elevadas. A situação tem o seu quê de cómico não fosse triste porque é precisamente agora que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa se lembraram do problema. O BCE anda a subir as taxas desde Julho de 2022, mas foi por estes dias que os dois, aproveitando a vinda de Christine Lagarde a Portugal, levaram as mãos à cabeça e assumiram aquele ar pesaroso e consternado de quem, responsavelmente, se preocupa com a subida do custo de vida dos portugueses. Nem quero imaginar o que vão dizer quando os credores deixarem de emprestar dinheiro ao Estado português por temerem que este não esteja em condições para pagar juros tão elevados.
A inflação é como um imposto que prejudica, essencialmente, os mais pobres. A subida das taxas de juro leva ao aumento das prestações dos empréstimos à habitação, mas é essencial para travar a subia do preço de outros bens essenciais, como aliás está a acontecer e demonstra que a linha seguida pelo BCE é a correcta. É compreensível que para um político a situação se torne complicada e difícil de explicar, mas não é aceitável que opte por tiradas populistas contra o Banco Central quando nada disse em contrário contra as taxas de juro zero.
Passaram doze anos e é como se não tivesse acontecido nada.
Esta semana soubemos que foi detectado o fundo cósmico das ondas gravitacionais. Albert Einstein previu a existência destas ondas gravitacionais na teoria da relatividade geral, apresentada em 1915. Apenas em 2015, cem anos mais tarde, as ondas foram detectadas e a teoria de Einstein ficou devidamente comprovada. O feito é extraordinário se tivermos em conta que alguém conseguiu imaginar, e explicar cientificamente, algo que não podia demonstrar. Foi como adivinhar o futuro numa antecipação da alteração do fluxo do tempo que as ondas gravitacionais podem permitir. O feito de Einstein foi, sem dúvida nenhuma, fantástico. Já antecipar, em 2016, que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa iam criticar o BCE por subir as taxas de juro, não revela qualquer genialidade ou originalidade crítica. É caso para dizer que estava escrito nas estrelas e qualquer pessoa minimamente isenta na sua análise seria capaz de prever.