No Natal1 comemoramos o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, que veio a este mundo2 para nos remir dos nossos pecados3, anunciando o Evangelho, literalmente a ‘boa nova’, e padecendo, morrendo e ressuscitando para nossa salvação. Mas será que o seu nascimento é uma boa notícia para todos nós, quer benfiquistas quer sportinguistas, quer para o governo quer para as oposições?

Comecemos por considerar a reação de Satanás4. Esta terá sido, segundo vários reputados teólogos, semelhante à que Erich Honecker (1912-1994) & Nicolae Ceaușescu (1918-25.12.1989) tiveram quando lhes disseram que os cidadãos das suas repúblicas socialista tinham começado a protestar e a resistir ativamente e em massa aos seus regimes: S. Tomás de Aquino, apenas para mencionar um, explicava que Satanás, mesmo que incapaz de compreender o plano divino na sua plenitude, não ficou indiferente5, persentiu a ameaça que o nascimento de Jesus constituía para a sustentabilidade do seu regime e que de algum modo terá sentido a sua impotência face às forças do imperialismo divino: “A inveja do diabo foi despertada quando viu que a natureza que desprezava [a dos filhos de Adão] era elevada à união com Deus”. Uma má noticia, portanto, para o Secretário Geral do Partido das Trevas.

Passemos agora à reação daquele grupo de satanistas que lutam pela evolução para uma sociedade sem classes num mundo futuro, nomeadamente um mundo sem eleitos nem danados. Estes são todos aqueles que perfilham, explicita ou implicitamente, a ideologia universalista que assume que todos os homens serão salvos, e que, portanto, a salvação é escatologicamente o resultado padrão. Será que estes podem considerar uma boa notícia o nascimento daqu’Ele que bradava aos quatro ventos “Ai de vós os que…” (Lc 6, 24-26) e que anunciava publicamente que um dia “dirá, então, aos da esquerda: ‘Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o Diabo e para os seus anjos’”? (Mt 25, 41)

Sempre foi doutrina dos discípulos de Nosso Senhor, desde os tempos antigos até muito recentemente, que o homem, devido à sua herança do pecado original, não pode entrar no reino dos céus a menos que morra e ressuscite com Cristo no batismo, e que, consequentemente, a humanidade é uma massa damnata da qual cada um é resgatado individualmente pela aplicação, consciente, pessoal & suportada pela graça divina, à suas alma dos frutos da redenção de Cristo.

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Nesta visão, Cristo terá vindo ao mundo para salvar os pecadores da destruição devida aos pecados, o original, herdado de nosso pai Adão, e os atuais, pessoais & intransmissíveis. O único caminho para a vida eterna é, no ensinamento de Nosso Senhor e daqueles seus discípulos que o não venderam por trinta moedas, ser revestido de Cristo, ser incorporado ao Seu Corpo Místico e morrer em estado de graça santificante. Como um teólogo moderno, Scott Hahn, afirma algures “a história da salvação é também a história da condenação”: Cristo veio a este mundo neste dia de Natal para salvar e condenar (isto é, para julgar), para promover união com uns6 & causar separação com outros, ao revelar a verdade e ao expor as trevas.

Nesta tradição o Martirológio Romano registra cuidadosamente não apenas os nomes de cada mártir, mas também, sempre que possível, os nomes de seus verdugos. Por exemplo, para 25 de Dezembro podemos ler a seguinte eulogia7:

“Na Nicomedia, muitos milhares de mártires, que se haviam reunido para o serviço divino no dia do nascimento de Nosso Senhor, foram mortos quando o imperador Diocleciano, ordenando que as portas da igreja fossem fechadas e que se acendessem fogueiras em vários pontos, além de colocar um recipiente com incenso na entrada, fez com que um homem proclamasse que aqueles que desejassem escapar do incêndio deveriam sair e oferecer incenso a Júpiter. Todos, com uma só voz, responderam que preferiam morrer por Cristo. Foram consumidos pelo fogo e, assim, mereceram nascer para o Céu no mesmo dia em que Cristo dignou-se nascer na terra para a salvação do mundo.” Uma excelente notícia para os que estavam dentro, e um desapontamento dos diabos para os que ficaram de fora da igreja.

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  1. Natal: dia santo de guarda dedicado ao consumismo em geral, e à glutonia em especial.
  2. Mundo: o estado terrestre da existência humana, especialmente quando sufixado pelo diabo e a carne; estado não-terrestre da existência humana, quando prefixado pelo ‘outro’.
  3. Pecado: harakiri espiritual que pode ser revertido pelo batismo e, com algumas condições, pela confissão sacramental, se bem que deixe sempre algumas cicatrizes.
  4. Satanás: um erro lamentável do Criador, segundo a teologia ateística e na exegese de alguns cristãos, que o levará um dia destes a fazer um mea culpa e a fechar o inferno8 para sempre; o primeiro ator no processo de salvação da humanidade, segundo outros cristãos; um chefe dos diabos9.
  5. Indiferente: aquilo que, quase sempre, qualquer um gostaria de dizer que é, se valesse a pena; a indiferença10 permanente & inabalável constitui no Budismo a bem aventurança eterna.
  6. “Ninguém se salva sozinho”, terá afirmado Fiódor Dostoiévski (1821-1881) e também, uns anos mais tarde, Sua Santidade.
  7. Eulogia: conjunto de palavras amanhadas para um discurso em louvor hiperbólico de alguém que goza de uma das seguintes vantagens: ou está morto ou nos pode fazer um favor, seja pelo seu poder, fortuna, ou sedução; a sua importância para a fundação e manutenção da ordem pública foi inicialmente descoberta e descrita pelo astrónomo Wang Chong 王充 (27—97 d.C), quando refere os políticos, “reis e imperadores de antigamente que estabeleceram o seu vasto e virtuoso poder, [que] necessitaram de ministros de grande proficiência literária que os elogiassem e louvassem, e registassem e documentassem [os seus grandes feitos]; o seu enorme virtuoso poder poderia assim brilhar de modo a que dez mil gerações ouvissem falar deles” (Lun Heng Jiaoshi 論衡校釋 3:847) e que tal como “se o dragão não tiver nuvens e chuva não consegue chegar ao Céus; os homens de grande proficiência literária são as nuvens e a chuva do estado” (Lun Heng Jiaoshi 3:854).
  8. Inferno: (metaforicamente) economia capitalista; (na realidade) sociedade socialista — se alguém tem dúvida leia: Arquipélago de Gulag de Aleksandr Solzhenitsyn; (por analogia — segundo a interpretação do pe. A. Sosa SJ) local de eterno sofrimento; Hades; onde o verme não morre e o fogo não se apaga; Geena; lixeira para humanos; segundo a filosofia escolástica, o centro do universo; abismo; (teologia) onde há ausência de Deus; residência atual dos srs. Karl Marx e Friedrich Engels e de toda a alargada família socialista que já partiu; local que, na narrativa de Eugenio Scalfari, Sua Santidade declarou não existir— retirando a esperança, a última virtude cardeal que lhes restava, aos cristãos que acreditavam na construção de uma sociedade socialista; de notar que, sobre a realidade desta declaração acerca da irrealidade do Inferno, o Vaticano desmentiu e negou, Sua Santidade calou, e o Superior General da Sociedade de Jesus, o pe. Arturo Sosa SJ, confirmou e redobrou; meios ligados ao sr. arcebispo Carlo Viganò, com quem Sua Santidade irá conviver no Céu por toda a eternidade, caso o Inferno de facto não exista, revelaram que S. Paulo se encontra atualmente a finalizar a sua Carta aos Venezuelanos sobre este quente e candente assunto que, dizem, seguirá as linhas da primeira carta do mesmo santo autor aos Coríntios, nomeadamente onde escreveu: “Ou não sabeis que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não vos iludais: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os pedófilos, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os beberrões, nem os caluniadores, nem os salteadores herdarão o Reino de Deus.” (1 Cor 6, 9-10) É expectável que o grupo parlamentar do ps proponha uma moção a condenar a falta de inclusividade expressa nestas linhas.
  9. Diabo: o filho do vizinho de cima; demónio; político mediático de direita como o dr. Ventura; puro espirito impuro; o dono disto tudo; ser que faz fumo, a dar fé a S. Paulo VI que terá declarado que “por alguma frincha, o fumo de satanás entrou no templo de Deus” (Homilia, 1972.6.29); a crença no diabo é convicção antiga como se pode verificar num fragmento, recentemente descoberto, do Credo do Concilio de Trauliteia (séc. 3): “… / Creio o diabo …/ Vanglória falsa, de vanglória falsa / Criado, não gerado, insubstancial e inconsubstancial com o Criador / Por ele nada foi feito / E contra nós homens e para nossa perdição / Subiu do Inferno / Não encarnando de Eva mas por ela introduzido neste mundo / Para que padecêssemos e fossemos sepultados / De novo há-de vir em sua humilhação / para ser julgado com os vivos e os mortos / e a sua humilhação não terá fim. /…”.
  10. Indiferença: sentimento oposto ao ódio; paixão que alimenta a perpetuação do sofrimento alheio e a erosão da dignidade humana no sistema judicial, de saúde, tributário e educativo que temos; sentimento oposto ao amor.