Embora as despesas e investimentos militares tenham sido crescentes nos últimos anos com programas massivos como os do novo super porta-aviões norte-americano Gerald R. Ford e os seus espantosos 12.998 mil milhões de dólares (o que equivale ao PNB de um país como Malta ou a Namíbia), ou do novo super porta-aviões chinês Fujian (com um custo idêntico) ou ainda do total do programa F-35 (mais de 1.858.000.000 milhões de euros) a verdade é que estes investimentos podem ser os últimos realizados pelas grandes potencias nesta escala.

1 Uma Guerra de Drones no Ar, Mar e Terra

A actual guerra na Ucrânia, o sucesso do Azerbaijão na guerra contra a Arménia de 2022 e a guerra civil no Iémen dão um vislumbre já muito nítido do que será a guerra do futuro que já não será travada com grandes meios, que envolvem enormes investimentos, por caças de 5ª ou 6ª geração, enormes e complexos navios de guerra, ou veículos blindados que custam 2 a 30 (!) milhões de dólares por unidade (como o Leopard 2A8 chinês ou o Merkava israelita) mas será combatida de forma remota, por armas autónomas controladas por Inteligência Artificial (IA) ou através (numa primeira fase) por controlo remoto. Estas armas irão funcionar em enxames consertados entre si e estarão no ar — como já estão hoje nos cenários de guerra do Sudão, Ucrânia e Arménia), no mar (como estão hoje no Mar Negro), sob a superfície dos oceanos (como se diz que a Rússia faz há anos no Báltico) e nos céus (como fazem em massa os EUA desde o Afeganistão).

É certo que actualmente, na Guerra na Ucrânia, apenas 10 a 30% de todos os ataques de drones são bem sucedidos. As contra-medidas, as técnicas de invasão e a melhoria da protecção (os famosos “tanques-tartaruga” improvisados) têm um bom nível de eficácia. Mas o desenvolvimento e a integração de IA nos drones irá reduzir esta eficácia. De extrema importância é a integração de drones nas unidades de artilharia:  é certo que a artilharia — mesmo com munições semi-autónomas de tipo “Excalibur” — pode ter que gastar de 5 a 10 munições até atingir um veículo blindado em movimento. Mas num conflito de tão alta intensidade como o ucraniano — em meados de junho a Rússia tem mais mil baixas por dia — não é viável consumir 2 a 10 mil munições de 155 mm de artilharia por dia. Não aos preços a que elas custam aos países da Nato (3000 dólares cada). Assim, a importância de usar drones FPV (“first person view”, em português: visão em primeira pessoa) é crucial para que a Ucrânia se consiga defender e o consiga fazer a um custo acessível (algo em torno dos 400 dólares cada). Ao preço de um único disparo de artilharia a Ucrânia pode enviar entre 7 a 9 FPVs e conseguir (na taxa de de 10% a 30%) pelo menos um ataque bem sucedido contra um blindado, um grupo de infantaria ou uma peça de artilharia. Actualmente, a Ucrânia já usa – alegadamente – FPVs com software de IA rudimentar que é capaz de fazer com que os drones sigam um plano de voo pré-determinado até ao alvo. De futuro, estes FPVs serão capazes de detectar e atacar infantaria e blindados russos de forma completamente autonóma de operadores humanos (será essencial criar sistemas que evitem que se voltem contra os seus próprios operadores). Com efeito, o uso de IA nos FPV é essencial a curto prazo já que apenas desta forma os drones conseguirão manter-se em combate uma vez que — desde os tempos da União Soviética — a Rússia sempre teve excelente sistemas de contra-medidas electrónicas e que, hoje em dia, os utiliza em massa na frente, até nos modelos mais portáteis e operados directamente por soldados de infantaria. A excelência do “jamming” russo explica, aliás, a taxa de falha dos drones FPV entre os 10 e os 30% que acima começámos a referir. Ora a melhor defesa para estas contra-medidas é, precisamente, a autonomia operacional e a independência das comunicações e controlo por rádio através de IA cada vez mais autónomas.

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Para além do uso integrado em enxames de dezenas, centenas ou até milhares de drones como aqueles que hoje já são usados em espectáculos, como o que foi realizado em maio, em Songdo, na Coreia do Sul — onde se bateu o recorde do maior número de veículos aéreos não-tripulados em vôo simultâneo, num total de 5.293 drones — a via do futuro será o uso de IAs em cada um destes veículos aéreos funcionando em uníssono na mesma missão e com o mesmo objectivo pré-determinado. Este tipo de uso de frotas de drones militares – ainda sem IA – já é usado na Índia desde 2018 (numa competição aberta a privados pelo exército indiano) e sabe-se que Israel já usou enxames de drones para localizar lançadores de rockets do Hamas em Gaza embora operados por humanos e não, ainda, por IAs.

Outra vertente que deverá dominar o futuro serão os drones que servirão como naves-mãe para o lançamento de drones de menores dimensões. Isto poderá ser visto, em breve, na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, em que drones a reacção, de grande raio de acção (mais de 2 mil Km), podem ser usados como bases de disseminação de enxames de drones FPV de pequena dimensão que, depois, procuraram de forma autónoma os seus alvos, numa zona de aquartelamentos, centro logístico ou de especial interesse estratégico. O mesmo poderá ser realizado no mar, em que um drone marítimo de médias dimensões (de superfície ou submarino) se aproxima de uma base naval espalhando de seguida drones de menores dimensões e autónomos. Estes drones-mãe poderão ter aquilo que já foi observado no Mar Negro em que um drone ucraniano disparou mísseis ar-ar R-73 contra helicópteros russos.

Os drones terrestres que começaram a aparecer no leste da Ucrânia em 2024 serão também uma das vias paralelas da guerra no futuro. Os drones FPV terrestres são pilotados remotamente através de óculos de realidade virtual (VR), transmitindo imagens do voo do drone em tempo real para o piloto. No início do conflito na Ucrânia eram usados para reconhecimento das linhas inimigas e orientação do tiro de artilharia mas, actualmente, são usados com pequenas cargas explosivas contra trincheiras ou infantaria (isolada ou quando estão em pequenos grupos). Estes pequenos drones com as suas pequenas cargas úteis não são capazes de destruir blindados ou tanques de batalha, nem navios de guerra de pequenas ou médias dimensões, contudo, são capazes de desabilitar provocando pequenos danos que podem destruir sensores externos ou até imobilizar os veículos e embarcações. Alguns poderão ficar tão danificados que não poderão ser reparados e se usarem granadas HEAT podem penetrar as partes mais frágeis da blindagem e destruir o veículo se alcançarem o motor ou a zona de armazenamento de munições. Outra variante destes equipamentos de controlo remoto que serão cada vez mais comuns no futuro foi registada recentemente, em junho, na recente ofensiva russa contra Kharkiv quando surgiram imagens de um assalto de infantaria russa contra uma trincheira em que a defesa estava totalmente a cabo de uma metralhadora pesada operada remotamente por ucranianos em segurança a algumas centenas de distância sendo que o mesmo tipo de equipamentos foi instalado por Israel na sua fronteira com a faixa de Gaza e, anos antes, pelo exército marroquino no “Muro do Saara” que separa os territórios controlados por Marrocos dos ocupados pela Frente Polisário no Saara Ocidental.

2 Questões éticas da “Guerra de Drones”

A migração das operações militares para operações remotas, autónomas por IA, ou através de um operador humano à distância (por vezes noutro continente como sucede com os EUA) coloca uma série nova de questões éticas: Se um soldado se tentar render a um drone automático ou controlado remotamente e agitar os braços ou uma bandeira branca como se processará a rendição? Um drone comandado por IA terá que ser capaz de reconhecer e processar esse gesto, mas como garantir que o militar que se rendeu consegue chegar às linhas de onde saiu o drone.

É eticamente questionável se quando um militar está desarmado ou se desarma e exibe uma intenção clara de não combater se o drone deve, ou não, eliminar o militar. Será tal eliminação um crime de guerra? Sem dúvida se tal acontecer no território invadido, mas e se se encontrar por detrás das suas linhas? O uso de drones dificulta o exercício do direito à rendição, pois o inimigo poderia render-se momentaneamente até o drone precisar parar por falta de bateria e voltar ao combate logo depois.

3 A Ciberguerra

Uma terceira vertente fundamental da guerra do futuro, além do uso de drones, de drones automáticos com IA, será a da ciberguerra. Actualmente, a ciberguerra já é um componente fundamental da guerra moderna, como demonstram o conflito na Ucrânia e o ataque russo à Estónia em 2007. No futuro esta componente deverá aumentar de escala e aplicação à medida que as sociedades dependem cada vez mais de sistemas digitais para tudo, desde comunicações, saúde, transportes e, sobretudo, comando de infraestruturas críticas e de operações financeiras. Isto torna estes sistemas alvos altamente atraentes para ataques cibernéticos. Em consequência, é preciso aumentar em larga escala os investimentos na defesa cibernética. Sem um ramo de Defesa Cibernética, a par da Força Aérea, Marinha e Exército, o país não poderá ser capaz de defender a nossa infraestrutura crítica e assim impedir que uma potência estrangeira possa lançar um ataque cibernético à rede eléctrica, provocando blackouts generalizados e o caos social. Uma operação de ciberguerra poderá também ser usada para desactivar os sistemas de comando e controlo do país, dificultando a coordenação militar das operações. Outras ameaças que este novo ramo das forças armadas seria a defesa contra o furto de informações confidenciais, a detecção e bloqueio de operações de desestabilização e propaganda.

A ciberguerra é uma ferramenta poderosa que pode ser usada para causar danos significativos a um adversário. No entanto, é importante notar que a ciberguerra também é uma faca de dois gumes. Um país que lança um ataque cibernético contra outro país corre o risco de sofrer um contra-ataque, o que pode causar danos à sua própria infraestrutura e é por essa razão que este novo ramo deve ter, sobretudo, uma componente defensiva.

4 Conclusão

A guerra na Ucrânia, com o uso massivo de drones, e o conflito entre Azerbaijão e Arménia em 2022, demonstram que a guerra do futuro será travada de forma remota, por armas autónomas controladas por inteligência artificial ou por controle remoto. Drones, em enxames, no ar, mar, terra e sob a superfície dos oceanos, serão a principal força de combate. Drones-mãe lançarão drones menores e autónomos em missões específicas. Drones terrestres FPV serão usados para reconhecimento, ataques com pequenas cargas explosivas e desativação de veículos blindados.

Estes cenários indicam que a guerra tradicional, com grandes batalhas terrestres e navais, pode estar a chegar ao fim. As grandes potências podem estar diante dos seus últimos grandes investimentos em super porta-aviões, caças de última geração e blindados caríssimos. O futuro da guerra será — é minha convicção — dominado por drones, inteligência artificial e ciberataques, exigindo novas estratégias e investimentos em áreas antes inimagináveis. E o que estiver para acontecer, vai acontecer primeiro na Ucrânia: estejamos atentos.