A unanimidade é evidente. Somos todos, sem exceção, contra a necessidade da prática de eutanásia. A questão que se coloca não é se somos a favor ou contra.

A questão que se coloca é a de avaliar se há alguma circunstância na qual uma vida seja de tal forma insuportável, em razão de doença incurável, sem saída médica, que provoque sofrimento constante, intolerável e irreversível e sem que exista ciência ou tecnologia potenciadoras de cuidados passíveis de garantir eliminar ou sequer minorar o sofrimento constante, intolerável e irreversível.

Se há alguma circunstância neste quadro de desespero sem solução e sem paliativo, no qual se deva ponderar se se pode permitir ao paciente — com grau de consciência comprovado e informação médica ajustada — decidir antecipar a sua morte e abreviar o sofrimento constante, intolerável e irreversível. Esta é a questão que se coloca.

A questão coloca-se no quadro de juízos da ética e da moral. Se o considerando de partida for o de que viola o âmago nosso património ético e a moral dominante então a resposta é clara, não pode haver ponderação parlamentar, nem sequer referendo!

Se se considerar que não há outros valores igualmente atendíveis, através da avaliação pelo método da subsunção seja do conceito de vida humana, seja do conceito de dignidade humana então não há objeto de ponderação.

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Mas a questão não pode ser avaliada com base em convicções não sustentadas e não enquadradas na matriz do nosso ordenamento jurídico, e, concretamente constitucional e penal. Desde logo porque o que está em causa é despenalizar um comportamento em circunstâncias extraordinariamente restritas, avaliadas e monitorizadas. Veja-se que no quadro do crime de homicídio privilegiado (artigo 133º do código penal) a compaixão é fator atenuante e “diminui sensivelmente a culpa”.

A circunstância conta no ordenamento jurídico português, que se sustenta na ponderação de valores igualmente atendíveis. Também no homicídio a pedido da vítima (artigo 134º do código penal) a pena é reduzida a 3 anos, o que decorre de uma ponderação do legislador entre valores que considera “igualmente atendíveis” na equação que faz.

Com o referendo, como alguns defendem, estaremos a avaliar as posições individuais de cada português eleitor, mas dificilmente nele participará qualquer pessoa nas circunstâncias referidas.
No que respeita à opção pelo referendo, considero que matérias desta natureza, que dizem respeito aos direitos e liberdades de cada um, às condições de vida digna, ainda mais atingindo um universo muito restrito de pessoas, não devem ser objeto de referendo. Estaremos a propor que uma larga maioria decida uma questão extremamente complexa do DIREITO que só afetará uma
minoria muito restrita.

Mas voltando à questão de substância. A decisão a tomar é a de garantir, ou não, que havendo uma única pessoa em Portugal nas circunstâncias referidas, se essa pessoa pode ter garantida a opção de antecipar a morte e eliminar o sofrimento constante e intolerável num quadro de demarcado rigor e acompanhamento médico e de exigente avaliação das condições da decisão. Não se trata de uma solução mas de uma opção delimitada em casos extremados.

Segundo os dados já revelados em 2019 sete pessoas em Portugal optaram por se deslocar à Suíça recorrendo à morte assistida, permitida pela lei helvética. Assim a resposta é firme. Em Portugal há, ou houve, pessoas nas circunstâncias referidas que fizeram essa escolha. Foi possível fazê-lo por terem recursos que lhes permitiram a opção. Coloca-se agora a questão em relação a esses que tiveram que optar pela deslocalização em razão da sua opção e para aqueles que em circunstâncias médicas idênticas, mas sem recursos, não podem fazer uma escolha em Portugal sem penalização. Coloca-se uma questão tremendamente difícil, mas simultaneamente dramaticamente relevante para alguns.

Realço que não se trata de legalizar a opção, trata-se de despenalizar a opção, i.é, trata-se de decidir não aplicar o regime penal do homicídio privilegiado ou do homicídio a pedido, previstos respetivamente nos artigos 133º e 135º do Código Penal português em caso de tentativa ou de consumação de eutanásia ou morte assistida.

É esta a questão que se coloca e é sobre esta questão tremenda que a ponderação e o debate se deve fazer.