Entrei na casa da minha avó, mas dessa vez ela não estava na sala. Também não estava na cozinha, nem varrendo o quintal. Ela não estava sentada na poltrona fazendo tricô, nem estava no banheiro retocando seu batom. Dessa vez ela estava na cama- coisa que acho que nunca tinha presenciado nesses meus 33 anos de vida.

Suas crises de tontura andam fortes. Em geral é pior pela manhã. Mas eram 17h30 quando cheguei levando pães doces, salgados e dois litros de leite. Tirei meus sapatos, me sentei na beira da cama. Falamos sobre as tonturas, sobre os remédios, sobre os resultados de exames que ainda não saíram. Depois resolvi mudar de assunto. Falamos sobre o livro novo que estou escrevendo, sobre flores e sobre coalas.

Minha avó completa 93 anos em novembro. E algo terrível está acontecendo: ela está se comportando como se tivesse quase 93 anos. Ela se cansa. Esquece coisas. Conta histórias repetidas. E eu me flagro transtornada: como ela pode fazer isso conosco? Achei que ela seria capaz de fingir ter 70 anos eternamente. Mas pelo visto já não está sendo possível.

Comemoro internamente a cada vez que ela me faz as perguntas certas. A cada vez que se lembra do meu trabalho. Do meu divórcio. Da minha preferência por requeijão frente à manteiga. Do fato de que eu tomo chá e não café. Sorrio sempre que ela diz meu nome, já que há tantos nomes dos quais ela já não se lembra espontaneamente.

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Houve um dia em que liguei e ela não entendeu quem eu era. Preferi acreditar que era por causa do barulho da rua onde eu estava. Mentiras sinceras me interessam, como diria Cazuza. Quando liguei no dia seguinte e tudo correu normalmente, duas lágrimas de alívio rolaram pesadas pelo meu rosto.

Será que é possível ir normalizando essas despedidas em vida que nos são impostas ao longo dos anos? A essência da minha avó ainda está ali. Divertida, afetuosa, autêntica. Mas é como se ela estivesse usando roupas que eu não conheço, falando um idioma que eu não sei bem como interpretar.

Será que conseguimos aceitar com alguma serenidade o transcorrer do tempo e tudo o que decorre dele? Na realidade eu sei que nunca estarei preparada para me despedir definitivamente da minha avó. Mas será que algum dia estarei preparada para deixá-la ter 93 anos, sem que – interna e silenciosamente – uma revolta ocorra dentro do meu peito? Talvez não.

Será que somos capazes de naturalizar o envelhecimento em vez de travarmos batalhas tão duras contra o tempo, que não quer nem saber das nossas angústias? Será que somos capazes de aceitar a finitude da vida e de agradecer pelos anos de convívio, em vez de projetar incessantemente os anos hipotéticos do futuro?

Por ora, eu comemoro o fato de que comprei Tortuguitas – os chocolates que minha avó comprava para os netos e deixava dentro da cristaleira na nossa infância – e, quando entreguei um em suas mãos, seu rosto se iluminou e ela disse “Tortuguitas. Você ainda se lembra delas?”. Sim, eu ainda me lembro. E o que mais importa agora: você se lembra também.