Por muito banal que seja repetir que ganhar um combate não significa vencer a guerra, volto a repetir esse ditado pois encaixa-se como uma luva na futura actividade de António Guterres à frente da Organização das Nações Unidas.

Uma vitória clara numa votação que correu o risco de se transformar numa farsa aquando do aparecimento da candidata “paraquedista” Kristalina Georgieva. Tal não aconteceu, mas acho que Guterres deve “agradecer” à vice-presidente da Comissão Europeia, pois o seu aparecimento fez com que a Rússia deixasse passar a candidatura portuguesa.

Um parêntesis para dizer que a Comissão Europeia deveria agora fazer uma prova ou teste à Sra. Georgieva para que esta fizesse o que não fez na prova oral na ONU, isto é, explicar a sua posição sobre problemas importante como a guerra na Ucrânia. Pouco mais ficámos a saber além de que o irmão da candidata está casado com uma ucraniana, factor “deveras importante” para o caso.

Mas voltando à vitória de António Guterres, é necessário não entrar em euforias patrióticas ou até mesmo patrioteiras, pois ele irá ter de superar obstáculos praticamente intransponíveis.

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A primeira grande tarefa é a reestruturação profunda da própria ONU e dos seus organismos fundamentais. A começar, por exemplo, pelo aumento do número de membros do Conselho de Segurança com direito a veto. Tendo em conta as mudanças ocorridas no mundo, é difícil explicar como é que países como a Índia, a Alemanha, o Japão, o Brasil ou a África do Sul não estão representados nesse órgão.

Será também de particular importância agilizar o trabalho das agências da ONU e combater a corrupção no seu interior.

É igualmente preciso ter em conta que o Secretário-Geral da ONU tem um leque limitado de poderes, sendo os problemas fundamentais resolvidos no Conselho de Segurança e as relações entre alguns dos seus membros suscitam sérias preocupações. Basta olhar para o estado das relações entre Moscovo e Washington. A nível de retórica, a Rússia e os Estados Unidos parecem estar na véspera do início de uma “guerra quente”, o que torna impossível a solução de problemas como as guerras na Síria ou na Ucrânia.

Guterres irá dirigir as Nações Unidas num momento em que também se antevê o aumento das tensões no Mar da China provocado por disputas territoriais

Não se pode esperar que António Guterres venha resolver esses problemas graves, mas pode contribuir para o incentivo de novas conversações entre as partes do conflito. Porém ele poderá interferir com maior êxito como em questões como o apoio aos refugiados, em cuja área tem grande experiência, ou no combate às mudanças climáticas.

Desculpem-me recorrer a uma imagem desportiva, mas é inevitável: a selecção portuguesa de futebol, para espanto de muitos, venceu o Campeonato da Europa, trouxe uma taça para casa e, pelo menos durante quatro anos, gozará desse título. Guterres, pelo contrário, não ganhou taça nenhuma, mas apenas um mandato para mostrar que é capaz de superar difíceis obstáculos, que ex-secretários-gerais da ONU não conseguiram ultrapassar. Se for bem-sucedido, poderemos então cantar vitória e esperar que possa cumprir um segundo mandato. Vamos ver.

PS. A pesada derrota de Kristalina Georgieva mostrou uma vez mais a desunião e desorientação da União Europeia e as pretensões irreais da chanceler alemã Angela Merkel. Nos séculos passados, mandar na Europa significava mandar no mundo, mas hoje as coisas mudaram radicalmente e isto devia levantar os dirigentes da EU a pensarem na união e não em interesses mesquinhos.