Vivemos tempos estranhos, tempos onde é a própria hierarquia da Igreja que determinou que os seus fiéis não tivessem acesso aos sacramentos. Foi apresentado no dia 13 de março, por parte da Conferência Episcopal, um documento que determinava a impossibilidade da celebração comunitária da missa e restringia os outros sacramentos. O resultado disso foi o fechamento de praticamente todas as igrejas. Alguns dias depois, o Presidente da República decretava o estado de emergência onde a liberdade de culto era limitada, mas, como a Igreja já o tinha feito, ninguém se insurgiu: uns por acharem uma decisão sensata, outros por medo ou respeito ou por um sentimento de obediência à hierarquia.
Passado um mês e meio, chegados ao fim do estado de emergência, havia entre os crentes a esperança, confiança e fé que o retorno das Missas comunitárias viria com o fim do mesmo. Mas, parece que não, parece que a esperança, que é a última a morrer, morreu na quinta-feira com o discurso de António Costa.
O primeiro-ministro apresentou nesse dia, o plano de reabertura do país, onde se prevê a reabertura das celebrações só para o fim de maio. Segundo Costa, tal foi acordado com a Igreja, e pelo comunicado do Concelho Permanente da Conferência Episcopal, de dia 2 de maio, podemos constatar que a Igreja portuguesa se submeteu, sem mais, ao que o governo decidiu.
Não me querendo meter em questões jurídicas, sobre se tal é permitido ou não pela nossa Constituição, pois não sendo jurista não tenho conhecimentos para tal, levanto aqui apenas dois pontos:
- a interferência do Estado em assuntos da Igreja;
- a falta de “cheiro a ovelhas” que os bispos têm.
Sobre o primeiro ponto ocorre-me que existe legalmente a separação da Igreja e do Estado, algo que os socialistas muito apregoam, mas agora demonstram não praticar. Recordo também a Concordata que regula os direitos e deveres entre a Igreja e o Estado Português. Aquele tratado define que a Igreja tem autonomia completa no que toca ao culto. Recordo ainda que a nossa Constituição reconhece a liberdade de culto; enfim, constata-se a sede do partido socialista em exercer algum poder tutelar e influência sobre a Igreja e, portanto, há que aproveitar…
Em relação ao segundo ponto, sobre a falta de “cheiro a ovelhas” dos bispos, para usar uma expressão cara ao Papa Francisco, penso que seja evidente. Os bispos nos seus paços episcopais podem celebrar sacramentos diariamente, pois têm a graça de serem sacerdotes, mas consentem que o povo viva sem eles, determinando que fiquemos em casa a ver “episódios” de Missas pela televisão, como se isso saciasse a fome, como se isso fosse suficiente.
Parece que têm um medo injustificavelmente desproporcionado de que a sociedade venha a acusar a Igreja de ser responsável por um eventual agravamento da epidemia; e que acham mais importante os bens materiais, onde podemos incluir a saúde, do que a salvação das almas, que é desde sempre, o fim supremo da Igreja. Dão assim a ideia de que estão mais preocupados em servir o poder político do que servir a Deus e ao seu rebanho. Por isso parece-me haver nesta atitude dos bispos um certo abandono do rebanho, pois pedem-nos o impossível: que sejamos santos quando ao mesmo tempo na prática nos negam os meios preferenciais e habituais para esse fim.
Acabo com três citações da Bíblia:
“Porque o que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas o que perder a sua vida por amor de Mim e do evangelho, salvá-la-á. Pois que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua vida.” (Marcos 8, 35-36);
e ainda:
“Se, portanto, ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas lá do Alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas lá de cima e não às da terra” (Colosssenses 3, 1-2).
E por último, esta do evangelho de hoje:
“O espírito é que dá vida, a carne não serve para nada. As palavras que eu vos disse são espírito e vida. Mas, entre vós, há alguns que não acreditam.” (João 6, 63-64)
2 de Maio de 2020