Disney, JP Morgan e Citi, Levi Strauss e a Microsoft e a Apple são apenas algumas das empresas que comunicaram aos seus trabalhadores que pagam as despesas de transporte às suas colaboradoras que queiram abortar e não o possam fazer no Estado onde estão.
O bem estar dos trabalhadores e a garantia de que têm acesso a cuidados de saúde são os argumentos usados, depois de termos assistido a um retrocesso dos Estados Unidos ao ano de 1973, com a decisão do Supremo Tribunal que transfere o poder, de descriminalizar o aborto até às três semanas, para as mãos dos Estados. E, em pouco tempo, cerca de metade dos Estados limitaram ou até eliminaram o direito de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), de acordo com o Wall Street Journal .
Porque estão as empresas, especialmente as grandes, a tomar uma iniciativa que desafia os republicanos conservadores, correndo o risco de, como já está a acontecer, ser pedido que lhes sejam cancelados eventuais contratos públicos que possuam? A resposta é a pressão dos investidores e dos próprios colaboradores, numa altura em que várias companhias se digladiam pela atracção e retenção de talento.
O que se está a passar na América é inimaginável pelo retrocesso que representa nos direitos das mulheres. E para alguns analistas norte-americanos pode ser apenas o princípio do retrocesso de direitos, que temos dado como conquistados e adquiridos, nomeadamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou os direitos de LGBT.
As grandes empresas norte-americanas vão estar perante a difícil escolha de serem cúmplices do conservadorismo republicano, para manterem alguns negócios, ou defenderem os valores dos seus colaboradores, clientes e fornecedores, correndo o risco de os perderem. Cinicamente podemos sempre dizer que farão contas e vão escolher o que se traduz em menos perdas. Haverá obviamente sempre uma minoria de accionistas ou se super-milionários empresários que colocarão os seus valores acima do “cash flow”, como se tem verificado em matérias ambientais.
Sem qualquer risco, o certo é que estes movimentos empresariais de “dinheiro moral”, como lhe chama o Financial Times, só se concretizam sob a pressão dos designados “stakeholders” e que vão desde os investidores, aos fornecedores e clientes. E hoje é preciso agradar especialmente aos trabalhadores, não por causa dos sindicatos, mas porque há talento que é escasso e é preciso reter.
As empresas, especialmente as maiores, vêm-se obrigadas a ser ativistas, subscritoras dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, formatados para as empresas na fórmula Ambiente, Social e Governação (ESG, na sigla em inglês), porque estão a ser empurradas pelas opiniões públicas, que são consumidores, clientes, fornecedores e investidores.
O agravamento das desigualdades, gerado pela decisão de reverter o direito constitucional ao aborto, é assim ampliado. Quem trabalha para as grandes empresas estará mais protegido do que quem tem um emprego numa pequena empresa ou é precário. Há um mundo paralelo que não paga qualquer preço por ter como único objectivo gerar “cash flow”, mesmo danificando o ambiente, escravizando pessoas e retirando direitos às mulheres.
Uma última abordagem impõe-se: e em Portugal? Quantas empresas ganhariam dinheiro por se colocarem do lado de quem defende que o aborto não deve ser criminalizado? Muito poucas ou nenhumas. Mesmo que isso significasse reter o talento de que precisam.
Embora existam hoje já muito bons exemplos de empresas em Portugal que prosseguem seriamente práticas de sustentabilidade ambiental, social e de governação, a dependência do Estado retira aos gestores liberdade, até para ganharem mais dinheiro defendendo valores e princípios. Poucos são os que se atrevem a criticar o Governo, seja ele qual for.
As empresas norte-americanas, que estão agora a oferecer às suas colaboradoras o pagamento das despesas caso precisem de se deslocar para Estados onde o aborto não é criminalizado, podem estar a fazê-lo pelo lucro, mas mostram ter liberdade para o fazer. E são também o espelho de equipas educadas, que podem abandonar o emprego por esses valores.
Um caso que nos mostra, de novo, que a prosperidade e igualdade só se faz com educação e liberdade.