Quando um doente com um Acidente Vascular Cerebral (AVC) regressa ao hospital para ser reinternado a angústia e ansiedade dos seus familiares, mas também a preocupação da equipa de saúde que o acompanha aumentam de forma considerável, para já não falar no impacto negativo que esta nova admissão poderá ter sobre a sua saúde física e mental e na qualidade de vida. Para além das consequências negativas para o doente e as suas famílias, as readmissões também são consideradas dispendiosas.

De facto, uma recente revisão sistemática rápida estimou que, no primeiro ano após um AVC, os custos de readmissão podem representar até um quarto dos custos totais relacionados com esta doença, exercendo, desta forma, uma pressão acrescida sobre os sistemas de saúde.

Nos primeiros anos após um AVC, o risco de um doente ser readmitido é especialmente elevado. Este risco decorre não apenas do AVC per se e das suas sequelas, mas também das características individuais de cada doente, do agravamento de doenças preexistentes e das complicações associadas ao AVC, como quedas ou infeções do trato respiratório e urinário.

As readmissões, além de frequentes, podem ser o reflexo de uma população envelhecida e afetada por várias doenças crónicas ou, por outro lado, resultar de problemas que podem surgir durante os cuidados prestados no internamento, durante o período de transição entre os cuidados hospitalares e extra-hospitalares (e.g. cuidados de saúde primários e as unidades de cuidados continuados integrados), no acompanhamento após a alta e/ou de uma combinação de todos estes fatores.

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Por estes motivos, em Portugal, a taxa de readmissões é considerada um indicador de qualidade dos cuidados prestados aos doentes e de desempenho assistencial, constando, desta forma, do processo que compara o desempenho dos diferentes hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

No nosso país, embora a informação relativa às readmissões após um AVC seja escassa, um trabalho baseado no estudo populacional Acidentes Neurológicos – registo prospetivo na comunidade 2 (ACIN2), realizado no Norte de Portugal, revelou que, entre as pessoas que haviam sido internadas por um primeiro AVC, aos três e doze meses, respetivamente, 10 em cada 100 utentes e 32 em cada 100 utentes haviam sido readmitidos/falecido. Além disso, as readmissões de seis em cada 100 utentes ocorridas nos primeiros 30 dias poderiam ter sido potencialmente preveníveis.

Neste estudo, verificou-se que as infeções urinárias e respiratórias, a repetição do AVC e as doenças cardíacas foram as principais causas das readmissões/mortes. Já a idade dos doentes, o sexo masculino, o estado de autonomia antes e após o AVC e, por último, o tempo de internamento da primeira admissão hospitalar foram identificados como fatores relacionados com o risco de ser readmitido/falecido.

Outro dado interessante desta publicação é que os doentes com mais de 65 anos foram mais frequentemente readmitidos, e que as readmissões/falecimentos ocorrerem sobretudo nos primeiros seis meses após o internamento. Os dados deste e de outros estudos sugerem que. em Portugal, entre outras deficiências que podem explicar as altas taxas de readmissão/morte no AVC, existem dificuldades na transição de cuidados e falhas nas medidas destinadas a prevenir a repetição do AVC.

Nos próximos anos, com o aumento da esperança de vida e do número de sobreviventes de AVC em Portugal, é esperado que a problemática das readmissões se agudize, levantando novos desafios ao SNS e à sociedade em geral. A isto acresce que a redução das readmissões após um AVC é uma tarefa exigente e multifacetada que pressupõe uma intervenção e envolvimento multidisciplinar/profissional nas diversas etapas dos cuidados de saúde.

Embora se reconheça que existem dificuldades de diversa índole na implementação de intervenções que visam melhorar os cuidados após um AVC e reduzir as readmissões no nosso país, várias medidas estão a ser ou já foram concretizadas para cumprir esse fim. Destacam-se, entre outras, a integração vertical dos hospitais e dos centros de saúde em unidades locais de saúde, o que ajuda a reduzir a fragmentação dos cuidados de saúde e a possibilidade de hospitalização domiciliária, que facilita uma alta precoce com continuidade de cuidados no domicílio, inclusive reabilitação. Mas, também, a utilização de novas tecnologias de informação, como a plataforma digital NORA, do projeto HARMONICS, que se centra no período da transição de cuidados (já objeto de um artigo neste jornal); e, por fim, medidas para aumentar a literacia para a saúde da população como a secção Arterial do Observador.

Uma vez identificados os problemas e as intervenções eficazes para evitar as readmissões após um AVC, será crucial manter as medidas já em prática, otimizando os recursos já existentes no SNS, mas também inovar, organizar e implementar outras medidas que visem esse objetivo.

Pedro Miguel Abreu é professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), investigador do RISE-Health e médico neurologista na Unidade Local de Saúde (ULS) de São João.

Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

Uma parceria com:

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Com a colaboração de:

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