O melhor «meme» posto a circular na internet durante a campanha presidencial brasileira era um derradeiro apelo irónico a votar no candidato do PT. Rezava assim: «Nunca vou perdoar o Bolsonaro por me fazer votar no PT»! Como era de adivinhar, porém, o «meme» já não funcionou. Bolsonaro ganhou por uma diferença de 10 milhões de votantes. Talvez Lula tivesse sido capaz de lhe ganhar e, nesse caso, o clima de oposição frontal entre os candidatos e os seus apoiantes seria de tipo diferente do que é hoje mas não desapareceria.

Retrospectivamente, o declínio eleitoral do PT já estava inscrito nas eleições autárquicas de 2016, que se realizaram pouco depois do «impeachment» da presidente Dilma Roussef quando a anterior maioria de apoio ao govero se voltou contra o PT. Subiu então à presidência o vice Michel Termer, que acompanhava Dilma desde 2010. Era a sucessão das crises – económica, social e política – a abrir caminho aos actuais resultados eleitorais, enveredando a atitude perante o PT pela rejeição visceral de tudo o que parecesse «politicamente correcto». Residem aqui as raízes sócio-culturais – mais do que ideológicas – do improvável presidente eleito ontem.

Este resumo ilustra o carácter agónico da escolha presidencial imposta pelo sistema político-partidário aos brasileiros. Faz pensar no PCP quando mandou votar em Mário Soares para presidente em 1986 a fim de barrar o caminho à «direita». E faz simultaneamente pensar em apelos descaradamente cínicos como «El País» publicou na sua edição brasileira, cujo autor pretende esconder as múltiplas ligações do PT e dos seus principais aliados à  «extrema-esquerda» latino-americana e não só, perguntando com ar falsamente inocente onde param os «comunistas» no Brasil, como se a espécie se tivesse extinto e a candidata a vice-presidente não fosse a dirigente máxima do PCdoB… Todo o mundo sabe que Lula não veio daí mas por que motivo então entregou ele a vice-presidência ao PCdoB?

É possível que já antes do dia 1.º de Janeiro em que tomará posse o incrível Bolsonaro – no sentido etimológico do termo: não se acredita na indigência política do fenómeno nem na sua incapacidade verbal! – talvez nessa altura já seja possível ver se a «final» de hoje não será seguida por uma «finalíssima»… Não propriamente uma alteração dos resultados que devolvesse o poder ao PT mas uma de várias hipóteses, desde o abrandamento do palavreado ameaçador de Bolsonaro em face do silêncio cauteloso dos «media» até um cenário mais optimista – ou menos tremendista – do que aquele que preocupa a maioria dos europeus e grande parte dos brasileiros.

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É capaz de ser «wishful thinking» da minha parte, mas um dos cenários menos apocalíptico – e mais plausível – é o do insuspeito analista da situação internacional, Jorge Almeida Fernandes. Não foi por acaso que o Exército expulsou oportunamente Bolsonaro das suas fileiras, remetendo-o para essa pouca recomendável instituição que é o Congresso brasileiro! Com efeito, já num recente artigo do especialista brasileiro de assuntos militares, P. P. Resende, se podia verificar que as Forças Armadas brasileiras estão a acompanhar de perto a evolução da situação mas não se oporão à eleição de Bolsonaro. Dito isso, tudo leva a crer que as FAs não se colocariam ao serviço do novo presidente se este tentasse institucionalizar um regime abertamente iliberal com a sua cumplicidade. Assim seja!

Por outro lado, Almeida Fernandes observava que, apesar da deslocação partidária do Congresso para a «direita» e a «extrema-direita», isolando o grupo parlamentar do PT, os deputados e senadores não farão a vida fácil ao novo presidente e ao seu futuro governo. Podem ser reaccionários e corruptos, como grande parte dos seus antecessores, mas não pretendem suicidar-se nem perder os privilégios, assim como não deixarão de defender os interesses dos grupos sócio-económicos que financiaram as suas candidaturas, nomeadamente a chamada «bancada dos funcionários públicos», que não abrirá mão das suas próprias benesses em nome da indispensável reforma financeira do Estado. E poucos serão os eleitos que apoiarão uma reforma constitucional que ponha em causa o sistema actual.

Aquilo a que estamos a assistir no Brasil é, primeiro, à dificuldade que há em pôr termo a um longo regime convencido de possuir a verdade como é o caso do PT e, em segundo lugar, identificar uma ou mais forças políticas capazes de substituir esse regime. Talvez o primeiro passo tenha sido dado mas o segundo está tão longe de resolver o problema que, provavelmente, até complicará a emergência de uma alternativa democrática ao PT. Caprichosamente, se é certo que Bolsonaro é uma imitação de Trump, não é impossível que as eleições intercalares a realizar muito em breve nos Estados Unidos forneçam novas pistas quanto ao futuro político internacional…