Na sexta-feira, 18 de Outubro, o Público noticiou, em artigo de página inteira com direito a fotografia colorida do hemiciclo (pág. 12), que estava garantido o ‘chumbo’ da Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Maria João Vaz Tomé, como Juíza do Tribunal Constitucional (TC). Assim sendo, não foi surpresa para ninguém que, na edição do dia seguinte do mesmo jornal, se noticiasse, embora de forma mais discreta, que a “Juíza proposta pelo PSD para o TC falhou a eleição” (pág. 14).
Não obstante a protagonista deste caso ter, por último apelido, o nome do apóstolo que, depois de ter visto, acreditou, o que lhe aconteceu é tão incrível que, mesmo vendo, não se acredita. O ‘chumbo’ de Maria João Vaz Tomé é não só inacreditável como também um preocupante sintoma do caciquismo de que padece a vida política portuguesa, pela sua dependência dos que promovem o aborto, a eutanásia e a agenda ‘woke’.
É importante que se diga, em alto e bom som, que Maria João Vaz Tomé, Juíza Conselheira e ilustre Professora de Direito, foi discriminada por um suposto delito de opinião, pois ninguém se atreveu a pôr em causa a sua idoneidade moral, nem a sua competência científica. Ninguém não, porque “para o PS, a ‘audição de Maria João Vaz Tomé deixou evidente que o perfil técnico da senhora juíza não se adequa ao cargo no Tribunal Constitucional’” (pág. 14). Trata-se, como é óbvio, de uma suspeição caluniosa que, vinda do PS, resulta contraditória, se não mesmo farisaica, pois estão ainda por apurar as eventuais responsabilidades criminais de um antigo primeiro-ministro, que foi seu secretário-geral, e que deixou o país na bancarrota, o que também não abona a favor da sua competência. Com estes antecedentes, é preciso descaramento para que os deputados desse partido façam exigências éticas e, até, se dêem ao luxo de duvidar do “perfil técnico” de alguém que já deu sobejas provas da sua competência profissional!
Segundo o Público, na audição de Maria João Vaz Tomé, pela Comissão de Assuntos Constitucionais da Assembleia da República, a ilustre jurista afirmou que, “se o prazo para a interrupção voluntária da gravidez for alargado de 10 para 12 semanas, o assunto irá parar ao Tribunal Constitucional (TC). Mas disse mais: antecipou a sua opinião sobre o assunto. A candidata a juíza-conselheira do TC considera que há vida intra-uterina e que [ao permitir-se o aborto] há um conflito entre essa vida intra-uterina e o direito da mulher a dispor do seu corpo e à sua autodeterminação.” (pág. 12).
Que qualquer possível alteração à lei que permite o aborto possa ser submetida à fiscalização do TC é óbvio, por estar em causa um direito fundamental, que o texto constitucional declara “inviolável”. É verdade que, a partir do momento em que foram promulgadas leis que permitem causar a morte do ser humano não nascido e em situação terminal, já não se pode dizer que o Estado português defende a vida humana. Mas o TC, se solicitado, tem toda a legitimidade para se pronunciar sobre esta matéria e, portanto, esta afirmação da candidata não expressa nenhuma tese opinável, nem muito menos censurável. Qualquer jurista minimamente competente a faria sua, sem problema, mesmo sendo partidário da chamada cultura da morte, ou seja, do aborto e da eutanásia.
A mesma notícia afirma que “a candidata a juíza-conselheira do TC considera que ‘há vida intra-uterina’”, como se se tratasse de uma opinião discutível de Maria João Vaz Tomé. Talvez, no limite, se pudesse questionar se o ser concebido no ventre feminino é, em sentido jurídico, uma pessoa, porque só depois do nascimento com vida o Direito português vigente reconhece, com plenitude de efeitos civis, a sua personalidade. Também há muitos que entendem não estarem os direitos de natureza pessoal sujeitos à condição suspensiva do nascimento, devendo-se reconhecer, pelo menos parcialmente, a personalidade jurídica do ser humano em gestação. Mas, o que ninguém ignora, nem sequer a jurisprudência do TC, é que “há vida intra-uterina”, como brilhantemente demonstrou, na crónica Pensamento único, o Juiz Desembargador Pedro Vaz Patto, Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz (Observador, 21-10-24). Ou seja, no seio da mulher grávida está alojado um ser vivo que, sendo humano, também o é, necessariamente, a sua vida. Esta afirmação não é, como é óbvio, uma opinião ideológica, mas uma verdade científica inegável. É certo que os defensores do aborto são, em geral, negacionistas do que a ciência afirma em relação à vida intra-uterina, mas dar-lhes crédito seria tão disparatado como fazer caso da superstição terraplanista.
Não compete ao Direito, nem muito menos à política, definir conceitos científicos. A vida humana não é primariamente uma abstração filosófica, nem uma noção política ou jurídica, mas uma realidade física, sobre a qual são cientificamente competentes os biólogos e os médicos. Para estes, está claro que o ser concebido no útero feminino não é parte do corpo da mulher – pode até ser de outro sexo – embora não possa, pelo menos durante as primeiras semanas da gestação, subsistir fora dele, como aliás também não é autónomo logo após o seu nascimento.
Também não é a política, nem o Direito, que devem determinar quando ocorre a morte, que é um facto a comprovar cientificamente pelos médicos, os únicos que podem precisar o parâmetro (cardíaco, respiratório, cerebral, etc.) que atesta esse facto. Ao Direito cabe, uma vez verificado clinicamente o óbito, retirar as pertinentes consequências jurídicas, mas não decidir qual o índice relevante para a sua constatação.
Portanto, não é a maioria parlamentar, nem o Governo, nem sequer o TC que determinam quando e onde há vida humana: essa conclusão não é da sua competência, mas da de quem é autoridade na ciência correspondente. Outro modo de proceder indiciaria uma mentalidade negacionista, anticientífica e totalitária.
Note-se ainda que a Juíza Conselheira Maria João Vaz Tomé foi escrupulosa, mas não dissimulada, na linguagem que utilizou na sua audição, pois referiu-se à “vida intra-uterina”, sem afirmar que se tratava de uma pessoa humana, e sem deixar de aludir ao “direito da mulher a dispor do seu corpo e à sua autodeterminação”, que o TC entendeu – errada e artificiosamente – que poderia prevalecer sobre a protecção da vida intra-uterina, nas primeiras semanas da gravidez. Muitas pessoas pró-vida, seguramente, não teriam ido tão longe, pois o aborto não é um acto de disposição do próprio corpo, nem a autodeterminação da mulher é relevante quando colide com o direito à vida de um ser humano inocente. Mais ainda, em relação a esta delicada matéria, Maria João Vaz Tomé “garantiu que entende que um juiz do TC ‘não vai apreciar as questões de acordo com a sua convicção pessoal e consciência’” (pág. 12) o que, pelos vistos, não foi suficiente para a sua aprovação como Juíza do TC.
Referiu ainda que “temas como a morte medicamente assistida são de ‘elevadíssima complexidade pelos valores em confronto (…). São questões que implicam uma reflexão aprofundada, aturada, um estudo sério e demorado’.” (pág. 12). Meu Deus, o que foi dizer! Mas a Senhora Juíza Conselheira do STJ não sabe que estamos no tempo da fast food?! Os deputados devem ter ficado escandalizados quando aludiu à “elevadíssima complexidade”, ou, mais ainda, quando se referiu aos “valores em confronto”! Que complexidade, se a Assembleia da República desprezou o unânime parecer negativo dos bastonários da Ordem dos Médicos, bem como a excelente Nota Pastoral, da Conferência Episcopal Portuguesa, de 8-3-2016, em que 80% dos portugueses, que se identificam como católicos, se revêem?! “Valores em confronto”?! Mas que valores, se o único que interessa são os votos e o poder?! Em que mundo vive esta docente e ilustre magistrada?! Ainda por cima, ameaça com “um estudo sério e demorado”?! Então não se apercebeu que a eutanásia é um negócio, e que há pressa em matar os doentes terminais?! Será preciso explicar-lhe que a demora é só para alguns casos, como a Operação Marquês?! Francamente, Senhora Professora, que ingenuidade a sua!
Por tudo isto e o mais que fica por dizer, concordo com o ‘chumbo’ da Juíza Conselheira Maria João Vaz Tomé, não pelas falsas razões alegadas pelo PS, mas pelas contrárias, ou seja, por excesso de idoneidade moral e demasiada competência jurídica.
E também, já agora, por falta de esperteza saloia: se tivesse tido a matreirice de se calar, ou de só dizer o que os deputados queriam ouvir, hoje seria, de certeza, Juíza do Tribunal Constitucional e, se calhar, candidata à presidência da República! Talvez tenha ganho o Céu, mas uma coisa é certa: não vai para o Palácio Ratton, nem para o de Belém!
A moral desta história imoral é a de que, na sociedade portuguesa, rege o princípio do balão que, quanto mais vazio de convicções e de competências, mais sobe.