É transversal o discurso de que o CDS partiu, morreu, já não volta e não faz falta. Este discurso até pode ser verdadeiro se continuar a falhar no CDS a representação da direita dos valores identitários, católicos, conservadores e nacionalistas, uma tarefa de desconstrução e (des) representação em que Paulo Portas se empenhou durante penosos 20 anos. Com  efeito, nunca interessa ser governo se o preço desse acesso for a negação daquilo em que se protesta publicamente acreditar.

E apesar deste CDS continuar a dizer que é de direita, o certo é que em muitos aspectos cruciais não age politicamente como um partido de direita, mas, antes, como um partido liberal (salve-se a economia..). Um puro erro de casting, porque para esse liberalismo universal já temos a IL e o Chega.

Valha a verdade, a semântica do discurso político-governativo, ou a narrativa, como não por acaso dizia o inenarrável José Sócrates, não faz a realidade verdadeira. Antes, ilude perigosamente, aliás, na esteira de uma velha tradição, acarinhada por muitos portugueses, que gostam de andar iludidos e de ser tratados como crianças pelos políticos e governantes. Mas muitos outros, onde me incluo, não gostam.

Como se sabe, a semântica é a área da linguística que estuda o significado em diversos níveis, analisando, especificamente, a relação do significado com o significante, uma relação que, como é óbvio, tem de ser simples e linear. Mas, na nossa terra, o que parece que é, afinal, não é, ou só é mais ou menos.

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O inusitado episódio da recente fuga de 5 reclusos da prisão de Vale de Judeus, por exemplo, é muito esclarecedor a esse respeito. Tratou-se de uma fuga verificada num estabelecimento prisional dito de alta segurança (que na oportunidade funcionava sem director!), durante o dia, com bastantes guardas ao serviço e muitas câmaras de vigilância instaladas e envolvendo um número elevado de presos, todos considerados muito perigosos.

Questionado, a propósito, sobre se Portugal é seguro, o Primeiro-Ministro respondeu que “não tem dúvidas” que o país é um dos “mais seguros no mundo”.

E apesar de afirmar que não “coloca a cabeça debaixo da areia” e reconhecer que existem alguns “problemas preocupantes na área da segurança”, sinalizou que “há razões para que as pessoas mantenham a tranquilidade”. Acrescentou que a Ministra da Justiça foi “particularmente eficiente e conclusiva” na maneira como geriu o caso da fuga.

Ou seja: semanticamente, o discurso do Primeiro-Ministro chutou ao lado. Tendo em conta todos os (poucos) factos já escrutinados da citada ocorrência em vista da sua total compreensão e resolução, mesmo que fosse louvavelmente para procurar assegurar que as pessoas mantivessem a tranquilidade, não se pode dizer hoje (ao menos aos portugueses), com um mínimo de rigor, que o país é dos mais seguros no mundo, que há razões para que as pessoas mantenham a tranquilidade e que a Ministra da Justiça foi particularmente eficiente e conclusiva na maneira como geriu o caso.

Realmente, a pergunta inevitável e sem resposta é esta: afinal, a ministra geriu o quê? Com efeito, por mais voltas e torções “semânticos” que se deem, a realidade é lamentavelmente diferente do discurso do Primeiro-Ministro, porque o que aconteceu constitui, como é óbvio, um enorme sobressalto na segurança interna do país. Não são conhecidos quaisquer factos que inculquem a probabilidade de que existe uma gestão efectiva e eficiente do caso, em ordem a que as pessoas possam manter (hoje por hoje) a tranquilidade, até porque os foragidos ainda andam a monte.

Infelizmente, é mais um fenómeno da acelerada desagregação ética, moral, sociocultural, religiosa, política e económica do nosso país. Enquanto uma certa direita dos interesses mais mesquinhamente capitalistas anda a raspar leiras e cantos e a enriquecer devagarinho (tantas vezes à pala do Estado parceiro de negócios), a direita dos valores parece que anda amargurada com o correr do tempo, ou pior, distraída e mesmo alheada das outras pessoas e dos seus problemas, com uma esquerda de mãos livres (mais ou menos corrupta) gerindo transversalmente e quase em permanência há anos e a seu crédito, as rédeas e as rendas de quase todos os aparelhos: do Estado central, do Estado autárquico e do Estado função pública.

A política em geral, e a política partidária em particular, ressentem-se desta vacuidade e daquela crónica falta de verdade do discurso, sendo de salientar, aliás, um facto curioso, voltando à questão da fuga dos 5 presos e dos seus guardas: nem um pio a sério se ouviu do Chega, afinal, um partido de todos os sobressaltos éticos e de todas as revoltas de todos os revoltados, mas, parece, de todas menos as do pessoal corporativo policial que serve…

O antídoto deste marasmo desagregador e desidentitário, e que é hoje reclamado urgentemente por uma ampla maioria silenciosa de portugueses, é um partido interventivo de espectro totalmente nacional, de base conservadora e securitário, democrata-cristão e totalmente não liberal nos costumes, independente ideológica e corporativamente, desalinhado do mainstream pós-modernista wook. Este partido já existe desde o 25 de Abril, tem uma história e tem um nome – CDS – mas vai abusado, desfigurado e esvaziado por complexos liberais impostos à sua revelia por ocupantes que nele andam à boleia.

É tempo de dizer basta, voltar a acreditar e mudar de rumo para dar voz, protagonismo e intervenção na vida pública a uma multidão de descontentes que não têm tido representação na vida política portuguesa. Mas que estão cá e andam acordados.