1 Quantas pessoas saberão em Portugal que o CDS, apesar de ter perdido o seu grupo parlamentar em 2022, teve mais votos que outros partidos que elegeram um deputado? Poucas, muito provavelmente. Que o partido governa sozinho seis autarquias e quarenta em coligação com o PSD? Algumas. Que tem presença no parlamento europeu, facto político que não ocorre com a totalidade das famílias políticas com representação parlamentar, ou que integra os governos regionais da Madeira e dos Açores? Um pouco mais, talvez.

E apesar de me arriscar a provocar estranheza ou até sonolência posso lembrar mais, e vou fazê-lo: lembrar por exemplo a reestruturação financeira entretanto levada a cabo – que reduziu cargos e negociou contratos; a reintrodução das quotas; a (rápida) reeleição de estruturas concelhias e distritais, ditada pela implantação nacional do partido; a revisão estatutária; a criação de grupos programáticos — militantes e independentes — disponíveis para identificar problemas e sugerir soluções. Contar por exemplo as “Conversas do Caldas” que juntam quadros do partido, militantes e simpatizantes para pensar em voz alta a agenda do país. Evocar ainda a tenacidade do Instituto Adelino Amaro da Costa e falar sobretudo de uma Juventude Popular viva e aguerrida (é pena a media sistematicamente ignorar a sua capacidade de iniciativa). Um coração que ainda bate.

2 Não vale a pena porém fazer de conta: ausente do palco parlamentar e com um líder mais presente na cena europeia onde é deputado, a realidade do partido alterou-se (quase) tragicamente: sem o hemiciclo, o CDS não só perdeu o principal instrumento de acção política, como a maior parte dos recursos financeiros e, claro, quase toda a possibilidade de exposição e atracção mediática. E sem essas (indispensáveis) muletas de écrans e microfones, o interesse político que o partido poderia suscitar, é como se não existisse: quase nada do CDS nos é “contadas”, logo o CDS não existe.

Neste estado de coisas nenhum quadro dirigente é remunerado (“sou o primeiro presidente a exercer funções a título gracioso: eu, o secretário geral e os secretários gerais adjuntos”, disse-me um dia Nuno Melo). Uma não remuneração que a natureza das coisas exige ser inversamente proporcional aos “trabalhos de Hércules” do presidente centrista: apesar de três dias por semana se desmultiplicar em operações partidárias – com alguma verosimilhança poderá até parecer ubíquo –, levantar um partido do chão e fazê-lo praticamente como rosto e figura “única” quase releva do absurdo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Aventura incerta.

3 Haveria mais alíneas na contabilidade de um combate desigual pela sobrevivência. Era-me fácil escolher entre novas iniciativas ou medidas, neste remar de meia dúzia de resistentes contra marés baixas políticas, mas prefiro ir ao essencial: o CDS faz falta: não apenas – o que não seria pouco – pela importância que teve, a marca que imprimiu nas governações, a impressão digital que deixou na história recente mas porque ninguém o representa no tabuleiro do jogo partidário. Ninguém acolhe hoje quem ontem a ele se acolhia, o seu capital político precisa de manter a sua morada política. Julgo mesmo que a possibilidade do seu desaparecimento quase pode configurar um caso de responsabilidade político-partidária. Exagero? Não me parece, apenas o quanto baste para fazer reflectir quem gosta de pensar a política e a ver bem casada com o país.

“O CDS não é um partido de protesto, de um homem só,‘borderline’do sistema, para isso já há o Chega. Também não é uma ideia dogmática de mercado sem particular sensibilidade social. Para isso existe a IL, que é um partido de centro-esquerda”, também me sublinhou Nuno Melo. “Experimentado e confiável”, o seu partido é o único fiel entre “o mercado e as preocupações sociais”, o “único partido da direita com experiência governativa”. Subentendido: quem o substitui?

Ninguém de facto. É tão preciso mimar os órfãos da família para que se reencontrem sob a bandeira do CDS na grande reunião das próximas eleições, como reconquistar os que se tresmalharam por outras moradas. Até lá, cada dia é um dia com uma certeza politica relevante: tem de haver lugar no parlamento e fora dele para esta “direita humanista , personalista, o único partido democrata cristão em Portugal, aberto a conservadores e liberais.”

Claro que Nuno Melo omite o que espadeirou aqui e fora de portas contra a anterior direcção. A cruzada esfacelou criteriosamente o partido até às vésperas da infausta ultima eleição que praticamente baniu o CDS do mapa nacional. A empreitada não foi difícil ao actual líder, tinha os favores da media e o baronato todo com ele, esse mesmo que num célebre congresso em Aveiro foi abruptamente arredado por uma jovem direcção cujos amanhãs aliás também pouco lhe sorriram: “Chicão” não teve sorte, o talento era intermitente, cometeu erros, a guerra civil foi impiedosa, não se sabendo hoje o que valem ou pesam as respectivas tropas ou sequer se existem. A questão é de resto secundária face à necessidade da permanência tonificada do próprio CDS.

4 E agora? Agora ou Luís Montenegro percebe que – seja como for – tem de dar a mão ao seu (histórico) parceiro, ou nada feito: nem para o CDS, nem sobretudo para o próprio Montenegro. Não é de todo a primeira vez que o escrevo nem – pelo pastoso andar da carruagem… — será a última porque só há isto a dizer politicamente: ou há uma grande frente eleitoral que começa na ala direita no PS, vai até um CDS que é imperativo ressuscitar e deve englobar independentes de crédito ou… depois não se queixem. Não é preciso que a “gente” saiba ou que os jornais noticiem, é só indispensável que essa aliança venha a existir. Conhecida a seu tempo, claro. Que o mesmo é dizer que espero bem que na penumbra dos bastidores esteja já tudo a andar.

Eu lembro-me de como foi com as outras AD.

PS: Duas breves notas:

  1. No último domingo fui á missa da tarde à Igreja de São Nicolau. Quis ir: tratava-se do regresso do seu pároco, padre Mário Rui Pedras, à sua “casa” e aos seus, após o, digamos, “afastamento” ditado por obscena denuncia anónima de abuso sexual e agora naturalmente saldada como não verificada. Uma indecência amplamente dada como “verdadeira” no rolo compressor mediático e que por lá ficou, estampada no ar do tempo.
    A celebração deste último domingo, muito participada, teve a assinatura do celebrante: foi digna, sóbria, recolhida, com luminosa homilia sobre a compaixão. No final ouvimos as palavras – igualmente dignas e sóbrias – do sacerdote sem que porém se lhe pudesse notar sombra de desrespeito face a terceiros ou à própria hierarquia da Igreja. Apenas a (inconfundível) marca da honra ferida. E o desejo de que dos consequentes procedimentos a desenvolver pela lei, lhe venha a ser devolvida a justiça e o desagravo a que como cidadão mas sobretudo como sacerdote tem absoluto direito.
    À noite, já após ser pública a notícia da “inocência” de Mário Rui Pedras, a TVI insistia na sanha: primeiro com “padre abusador”, depois com “padre pedófilo celebra missa”. Não há “enganos” destes. Raras vezes me vi directamente confrontada com tão abissal diferença de comportamento moral: a dignidade magoada de alguém contra a indecência de outrem, poderosamente difundida numa estação de televisão nacional, à hora de maior audiência.
    Para onde caminhamos?
  2. O país descobriu recentemente que 87% dos portugueses – mais um pouco e eram todos? – se indignava contra a corrupção vigente na pátria. Vem a propósito recordar que, vai para mais de dois anos, alguém se comprometeu civicamente na batalha de despoluição de ar tão infectado, criando em 2021 o Prémio Tágides: Andre Corrêa de Almeida, professor em Nova Iorque. Há que saudar o gesto (e multiplicá-lo, se possível) – não são assim tão frequentes os exemplos de compromisso publico numa sociedade civil instalada como a nossa mas é verdade: André vive e respira numa latitude com o hábito do compromisso e a prática da desinstalação…
    Criado em 2021, o Prémio Tágides, é promovido anualmente de forma “a identificar, reconhecer, celebrar e premiar projetos, trabalhos e/ou iniciativas de pessoas que justamente se destaquem na promoção de uma cultura de integridade e prevenção e luta contra a corrupção em Portugal, em várias áreas da sociedade”. Na escolha dessas “pessoas” de exemplar conduta, tem estado envolvida gente boa e séria que se aflige com o flagelo da corrupção. Este ano, também: um júri reputado selecionará o premiado/a a partir dos candidatos ao prémio Tágides nas varias áreas que ele contempla. Uma ideia patriótica (apesar da palavra nos parecer já incapaz de produzir qualquer tipo de sobressalto).