Durante boa parte da minha vida profissional, e acho que da maior parte das pessoas que um dia resolveu investir na alavancagem do seu trabalho e tornar-se empreendedores, a frase que serve de título a estes parágrafos foi-se metendo no meu caminho. O que ela significa é que eu gostaria de ter um escritório espaçoso, ao estilo de um presidente de uma pequena república, com a dignidade que (só) eu acho que merece um escritório onde um meu nobre traseiro se senta para as minhas originais cogitações. Mas, infelizmente para o meu traseiro e para as minhas cogitações, espaço custa dinheiro e não tem esse valor económico todo para que eu deixe de, por exemplo, empregar alguém para efetuar um trabalho, em troca do escritório. E, como o chão não faz projetos, são as pessoas que os fazem, sempre estive relativamente apertado. São escolhas.

Para quê esta introdução? Porque, na realidade, o espaço não vale absolutamente nada tirando aquilo para o qual as pessoas o usam. Os economistas tendem a chamar ao espaço “capital”, mas, na realidade, é simplesmente um recurso cada vez menos usado nas atividades de uma economia que vai progredindo num espaço que não tem realização física, deixando o espaço físico para atividades que cada vez menos precisam de pessoas, como a agricultura. Não fosse o caso de as pessoas precisarem de um lugar para viver e o planeta teria a tendência para desparecer da economia, passando esta a viver unicamente no espaço a 5 Volts em que este texto está a ser lido. Por isso, os preços dos espaços físicos já não se medem pela sua capacidade produtiva, mas sim pela sua atratividade para as pessoas que depende, em boa medida, da ligação destas à economia. E isto é-nos repetido toda a vez que há um incêndio pelo interior do país e o abandono dos terrenos é focado (ver os vários artigos do Henrique Pereira dos Santos e do Paulo Fernandes sobre o tema). Todo esse território, é chão que não faz projetos.

Mas o local onde as pessoas moram não é coisa de somenos. Ninguém gosta de ser retirado da sua casa para ir trabalhar para onde a economia se desloca. As pessoas acreditam que o terreno que pisam vale aquilo que elas acham que vale e, por isso, a economia devia-se deslocar de forma que as duas coisas se compatibilizassem: o sítio onde moram e a sua intervenção na economia enquanto seres produtores. Daí se estar sempre a falar de descentralização e de regionalização, para que o terreno que eu piso possa assumir o valor económico que depende, não da sua capacidade produtiva, mas do meu desejo de lá morar. E, obviamente, a proximidade ao local onde a minha intervenção económica se faz é fundamental.

Agora vem o detalhe mais subtil. Como a economia cresce com base nos recursos e o espaço já não é recurso senão para ser ocupado por pessoas, o espaço que é ocupado por mais pessoas é aquele em que a economia vai crescer mais face àquele que têm menos pessoas. Portanto, aquilo que matematicamente se designa como um processo multiplicativo é, visto desta forma, um processo de pescadinha-de-rabo-na-boca. Quanto mais gente estiver em Lisboa, mais gente virá para Lisboa porque mais economia irá ser feita em Lisboa, tirando algumas flutuações inesperadas que não vão alterar substancialmente o cenário. Assim, o meu caro leitor que mora em Castelo Branco já tem aqui uma perspetiva de quando as suas pretensões vão ser satisfeitas: no dia de São Nunca!

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Dir-me-ão os meus amigos mais otimistas que não, nós vivemos numa social-democracia europeia (pausa…) e que a redistribuição dos impostos compensará as desigualdades regionais. Mas isso não faz sentido, porque os impostos servem para as pessoas e não para o chão. Se há falta de médicos em todo o lado, eles fazem mais falta é onde há mais pessoas. Se há falta de professores, eles fazem mais falta onde há mais alunos. Se falta um professor em Castelo Branco isso vai significar que faltam uma carrada deles em Massamá. Que justiça existe em ir a correr cobrir a falta de um professor quando faltam tantos num local tão pouco privilegiado?

Do anedótico episódio da transferência do Infarmed para o Porto, muita gente percecionou uma atitude de má vontade dos funcionários, que até levantaram a hipótese de haver perigo para a saúde pública com a transferência. Mas o problema não estava em os funcionários não terem razão, o problema estava em os funcionários poderem ter razão, porque se estava a mudar um organismo de um local com metade dos seus destinatários para um onde com uma minoria. Notícias de há algumas semanas davam conta que quase metade dos nascimentos em Portugal acontece em Lisboa e Vale do Tejo, o que significa que começa a ser um custo absurdo ter muitas maternidades espalhadas pelo país. A não ser que deixemos morrer alguns em Lisboa para que se mantenha uma maternidade num local qualquer onde nascem 50 crianças por ano. Alguém dizia há uns anos, quando se começou a fechar maternidades por falta de recursos financeiros, que o ideal seria montar uma mega maternidade nacional em Sines, onde se concentraria uma indústria de nascimentos, concentrando todos os recursos nacionais por aí espalhados. Hoje não parece uma ideia assim tão estapafúrdia.

Nesta fase do texto, já a metade do país que não mora em Lisboa me quer sovar na via pública porque nunca viu discurso tão centralista na vida. Quero esclarecer que nada disto é discurso, é mera física. É assim. E depois, não quer dizer que goste, porque não gosto. Nem acho que seja inevitável. Mas tenho a certeza de que é inevitável assim; assim como as coisas se processam hoje, em que todo o país contribui para um centro e esse centro, depois, distribui pelo país. E deve distribuir pelo país. Não pelo território nacional, mas pelo país. Por isso sabemos que não é a distribuição que está errada.

Obviamente, o cenário de toda a gente morar em Lisboa é horrível para toda a gente, começando pelos lisboetas, pelo menos os que não moram no condomínio que fica entre o Tejo e a segunda-circular. E pela física acima – que é corroborada em vários ramos do conhecimento, sob a forma de “o vencedor leva tudo”, “ligação preferencial” e outras designações, conforme o ramo – não vamos sair disto, a não ser que mudemos o fluxo dos impostos, a única coisa que depende de nós porque é um ato administrativo, não económico. Regionalização significa tirar dinheiro público de Lisboa, impedir que os impostos e outros benefícios financeiros comunitários sejam centralizados em Lisboa e que estes passem a cumprir o seu objetivo social na parte do território onde são gerados. Implica também impedir a república de contrair dívida sem que as regiões o permitam e que as regiões formem os seus quadros de funcionários em função daquilo que conseguem pagar.

Mas não vai dar ao mesmo? Num primeiro instante, sim. Mas separa políticas, torna decisões independentes, faz cada um lutar com as armas que tem. Claro que se pode argumentar que isso prejudica a solidariedade regional, mas é a mais pura das mentiras. Na verdade, a situação atual é o contrário de solidariedade regional. Todos são solidários com Lisboa e isso prejudicará Lisboa, mais cedo ou mais tarde, principalmente quando os turistas estrangeiros perceberem que afinal não há assim tanto para ver. Hoje qualquer morador em Oeiras, a nossa “pequena Suíça”, leva no mínimo 45 minutos a chegar ao trabalho e nada indica que vá melhorar. Não estamos a falar de um arrabalde qualquer onde o preço por metro quadrado da habitação é uma sandes e um Sumol. Estamos a falar do terceiro concelho mais caro do país. Imagine-se a vida de quem mora em Rio de Mouro ou Cruz de Pau.

Do ponto de vista legal, tudo o que aqui foi dito é heresia. A República Portuguesa vive sob um regime bolivariano em que o estado se governa a si próprio e, logo, o território serve, como as pessoas, para o servir. Mas tudo isto é uma mera questão de escolha, se queremos ir todos morar para Massamá e deitar cal no resto do país para que não ande essa porcaria para aí a arder no Verão, ou se queremos aproveitar que temos um país independente o suficiente para termos vários centros, ganhando todos uma qualidade de vida diferente. Vejo muita gente com responsabilidades clamando por uma maior descentralização que no fim acaba, no máximo dos máximos, num caso como o Infarmed; quando descentralização implica, no caso português, uma não tão pequena revolução. Talvez a maior desde que se deu cabo do Rei. E não vale a pena bater no mensageiro. É assim! E como a coisa está a andar, meu caro, ponha isto na cabeça: o chão onde vive, é chão que para “mim” não faz projetos.

(As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente o seu autor)
PhD em Física, Co-Fundador da Closer, Vice-Presidente da Data Science Portuguese Association