Como é do conhecimento de quem se interessa pelas questões da formação de professores, há três problemas importantes que marcam a agenda atual: i) O descontentamento endémico; ii) A baixa atratividade dos cursos de formação de professores; iii) A carência de profissionais e a tendência de agravamento desta situação.

O descontentamento de uma classe é sempre difícil de medir, mas todos os estudos, indicadores e tomadas de posição pública levam a que se considere credível a existência de uma situação de descontentamento endémico decorrente da diminuição da atratividade da carreira resultante do agravamento das condições de trabalho, do nível insuficiente dos salários e do baixo reconhecimento social.

O exercício da profissão transformou-se num ciclo vicioso em que a um ano escolar se segue outro sem que se antevejam perspetivas de melhoria, em que a sombra da proletarização está sempre presente e o conflito com alunos e pais latente, sendo cada vez mais comum o desrespeito e as agressões, dentro e fora das aulas, até no exterior das escolas.

As remunerações não são apelativas e embora estejam em linha com carreiras semelhantes correspondem a condições de trabalho tão severas que induzem nos profissionais a perceção de que são muito mal remunerados, circunstância agravada por não se tratar de uma profissão “das 9 às 5”, isto é, os professores têm sempre trabalho de casa e uma sensação desagradável de que nunca conseguem concluir tudo o que têm para fazer.

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A baixa atratividade dos cursos de formação de professores decorre da perceção generalizada de que deixou de ser uma atividade interessante e da imagem pública negativa que perpassa, seja nas experiências de cada um, seja na comunicação social.

Como consequência de tudo isto, agravada pelas últimas alterações legislativas sobre o acesso aos cursos de formação de professores, completamente desajustadas do contexto do país, e que agora se pretende alterar, o número de candidatos à docência reduziu-se drasticamente e, ao mesmo tempo, o número de reformas dos docentes subiu em flecha originando uma situação de carência crescente a que se pretende agora responder com medidas flexibilizadoras do acesso e de novas condições de profissionalização.

Uma nota adicional sobre este fenómeno, que tem vindo a agravar-se, é o elevado custo da habitação para professores deslocados que torna impossível para alguns o exercício em escolas das grandes cidades ou em regiões mais turísticas onde o preço é proibitivo, o que contribui para uma maior carência de profissionais nessas zonas.

Para pensar sobre o assunto e aconselhar o Governo, o Ministério da Educação nomeou uma comissão de peritos, exclusivamente ligados a instituições do Estado, tendo ignorado as instituições de ensino superior do setor privado. Apesar do protesto da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado (APESP), que o ME ignorou, as instituições representadas pela associação não regatearam esforços na colaboração com aquela Comissão por entenderem que nesta, como noutras matérias, os interesses do país e do sistema educativo têm de estar acima de preconceitos ideológicos.

Para espanto de quem se empenhou neste processo, foi divulgado um documento que não foi enviado para a APESP, nem para o grupo que fez a ponte com a Comissão e que circula como apócrifo, apesar de ter sido divulgado numa reunião com pessoal do ministério.

Duas coisas se destacam, a remissão para as instituições de ensino superior de condições formativas fundamentais e a dispensa de avaliação da prática letiva para quem tenha experiência da docência, embora sem nunca ter tido prática supervisionada.

Independentemente de outras considerações, deixar ao critério das IES questões fundamentais do domínio formativo é abrir a porta a que os profissionais concluam os cursos com competências muito diferentes. Não está em causa a autonomia das IES, mas é aconselhável que num país onde a contratação dos docentes e a gestão do currículo são, sobretudo, domínio da administração central, se promova alguma consensualização, sobre as questões basilares a que a formação dos professores deve obedecer, nomeadamente em termos de competências a adquirir.

Por outro lado, dispensar de prática supervisionada um aspirante a profissional que nunca passou por este processo, é completamente absurdo, ainda mais quando se propõe “Os candidatos que possuam pelo menos quatro anos de experiência docente no respetivo grupo de recrutamento podem substituir a prática de ensino supervisionada pela apresentação de um relatório individual, que abranja esse período de docência, sujeito a defesa pública e avaliação.”

Se o candidato tivesse de preparar a lecionação de um módulo, por exemplo, lecionar duas ou três aulas e dirigir atividades formativas de outra natureza, sob a avaliação de um júri, ainda se admitiria, mas substituir prática por relatório, é descredibilizar completamente o processo e não contribuir para melhorar a qualidade do exercício profissional.

Aqui está um exemplo de como o ChatGPT pode ser um ótimo auxiliar para formar os novos professores, o algoritmo prepara o relatório, o docente estuda-o e quem avalia sanciona. O problema é que o algoritmo não dá as aulas e os alunos, as famílias, a sociedade têm direito a ter professores que tenham feito pratica supervisionada pois é aí que os professores aprendem, tal como os canalizadores e os cirurgiões, para dar apenas dois exemplos.

Estamos todos de acordo que precisamos de formar mais professores, mas não podemos abastardar a sua formação assim contribuindo para desprestigiar ainda mais uma classe que é importantíssima na formação das novas gerações, sendo certo que é urgente olhar para o futuro com a noção clara de que os professores não podem continuar a ser formados com as referências do passado, quando o mundo mudou, as aprendizagens deixaram de ser monopólio da escola, os alunos têm ferramentas próprias e permanentes de aprendizagem, a sociedade exige da escola tudo e o seu contrário.