“Era impossível ter combatido este fogo (de Pedrógão Grande, em 2017)”
(Constança Urbano de Sousa, Ministra da Administração Interna à data)
A caça às bruxas, perdão, o julgamento de alguns intervenientes na tragédia de há cinco anos, prossegue. Pretende apurar eventuais responsabilidades criminais, visando sobretudo o que foi o combate ao fogo e a salvaguarda das populações. Responsáveis? No início deste mês, foi ouvido Carlos Guerra, Comandante Distrital de Operações de Socorro que afirmou “todos (sociedade) somos culpados do que aconteceu”. Alguém enfiou a carapuça?
Em matéria de segurança, disse agora a antiga ministra, que era praticamente impossível retirar as populações. Como Carlos Guerra também havia sublinhado: “Não estavam reunidas as condições mínimas para retirar as pessoas. (…) deveriam ter conhecimento de autodefesa e ter ficado em casa”. Acrescentou ainda, sobre a limpeza das faixas de rodagem que “não teria feito grande diferença” lembrando que o incêndio atravessou uma estrada com mais de 30 metros.
30 metros? Nesse ano o fogo por três vezes galgou o rio Tejo… De facto, mais ou menos limpas as bermas, o resultado teria sido o mesmo: o calor infernal, o fumo sufocante, a falta de visibilidade, etc. teriam o mesmo potencial destrutivo. A que se juntam o medo, os nervos, a desorientação, o caos de fugas por estradas cortadas ou, como a antiga ministra também reconheceu, as falhas de comunicação – Constança Urbano de Sousa apontou falhas do SIRESP, que falhou mas que tem mecanismos para controlar as falhas, pelo que a parte dos utilizadores, falhou também. Tudo isto é de evitar e, efetivamente, a maioria dos que fugiram até estava em melhores condições de segurança – em casa, na piscina de Castanheira de Pêra, etc.
O processo visa ainda a ignição, a origem do incêndio – houve várias que se juntaram, mas adiante – e não podendo culpar um Raio, lá se explora novamente a limpeza por baixo das linhas elétricas. Todavia, a legislação prevê excepções, e aqui tínhamos uma delas: uma mancha de carvalhos junto à água, com valor turístico, paisagístico, ambiental… O enfoque na origem é muito, demasiado, frequente. Contudo, ignições há muitas, a questão está nas poucas que descambam em incêndios, e nestes, os que se transformam em monstros incontroláveis.
Chegamos então à tão falada “limpeza das matas”. Isso não existe em Portugal, por muito que ouçamos falar nela. O que temos por cá, de limpeza, são casas e estradas. Por quilómetros e quilómetros de montes e vales, não há qualquer gestão de combustíveis. Não há obrigação. Nem podia haver, não só porque é economicamente insuportável para os seus donos, como também um desastre ecológico (desprotegendo solos, potenciando cheias, dizimando a biodiversidade, etc.). Sequer a generalização da gestão de combustíveis é necessária: o que precisamos é de intervenções estratégicas aqui e ali, isto é, ao nível da paisagem, para poder ter algum controlo perante estes episódios. Tiago Oliveira, presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, chegou a avançar um número: 200 mil hectares. Ou seja 2% do país, coisa para uns 25 – 30 milhões de euros, que é metade do que a sociedade paga pelos meios aéreos.
Não obstante, teimamos em recusar pagarmos todos – o Estado – este valor, esta protecção para todos, continuando a insistir nas tais limpezas pouco mais que inúteis faladas acima. Volto a lembrar as palavras de Carlos Guerra no primeiro parágrafo deste texto: “todos somos culpados”… O próprio Tiago Oliveira há um par de meses e perante os incêndios deste inverno, afirmava que “são um alerta à população para limpar o mato em redor das casas”. Acontece que descurar o famoso “barril de pólvora” é o caminho da tragédia. E, de facto, quando ela ocorre não há, como bem disse Constança Urbano de Sousa, meios que nos valham.
Não faltam máximas muitas vezes repetidas sobre outro tipo de abordagem, como sejam “Os fogos de verão combatem-se de inverno” ou “Os fogos não se combatem, previnem-se”.
“Era impossível ter combatido este fogo”? Sim, era. É precisamente por causa disso que o problema se resolve de outra forma. Para esta tragédia, como para muitas outras passadas (Vale do Rio, Águeda, Armamar, Famalicão da Serra, Caramulo, etc.) já não vale a pena chorar sobre o leite derramado. Mas e para a próxima vez? Teremos mesmo aprendido a lição?