Anteontem, acho que foi anteontem, a baixa do Porto acordou enfeitada com bandeiras do PCP. Não são bandeiras da CDU, da APU ou de qualquer dos pseudónimos com que os comunistas tentam dissimular 100 anos de luta em prol do totalitarismo mais sanguinário da História. O símbolo é mesmo a foice e o martelo sobre fundo vermelho, ou a aliança entre operários e camponeses adoptada por Lenine para identificar a libertação dos povos à custa de matanças pedagógicas. Em matéria de decoração, não é uma escolha absurda. Por um lado, porque os penduricalhos acontecem nos Aliados, que no tempo do dr. Rio foram escavacados por intervenção do arq. Siza Vieira, ele próprio um comunista naturalmente empenhado em cobrir a avenida com cimento. Por outro lado, e é esse lado que importa, porque nunca estivemos tão perto de merecer a iconografia da desolação, da miséria e da morte.

As fotografias dos Aliados – e, entretanto, de outras avenidas igualmente sujas com a celebração do horror – que correm por aí são elucidativas: à sombra dos penduricalhos, um cenário quase deserto, vazio como o resto de Portugal, triste como o resto de Portugal. A esperança não mora aqui. O bando que tomou conta disto também com o aval do PCP não permite luxos desses. Dia após dia, somos bombardeados com golfadas de propaganda, e propaganda tão sofisticada quanto os matarruanos que a produzem. Na verdade, eles dizem o que lhes apetece, sem qualquer esforço de vincular à realidade o que dizem. Na sexta-feira, o dr. Costa garantiu que em cinco anos estaremos mais próximo da Alemanha, uma impossibilidade excepto se a Alemanha sofrer uma catástrofe nuclear ou irromper no continente um abalo tectónico sem precedentes. Na Europa inteira, já poucas nações nos precedem em pobreza, e em 2026 é provável que nenhuma se encontra nessa humilhante situação. Se traduzirmos as intrujices do dr. Costa para língua de gente, “Alemanha” significa “Bulgária”. Ou “Albânia”. E isto sem ofensa para lugares que conheceram suficientemente o comunismo e a fome para não os transformar em desígnios nacionais. Suspeito que em Sófia e em Tirana a foice e o martelo não embelezam espaços públicos – ou privados, palpita-me. Se necessitam de referências, pensem em Caracas.

Claro que até um charlatão limitado como o dr. Costa seria capaz de mentir melhor. Mas para quê? A oposição, salvo fogachos inconsequentes, não existe. O Presidente da República é o que lá está. Os “media” arrastam-se vastamente condicionados pelos subsídios e pela ignorância. A população sobrevive paralisada por leis inconstitucionais e pelo medo. Na mesma entrevista, evidentemente ao “Público” (poderia ser ao “Expresso” ou à Sic, ao “DN” ou à “Visão”), o dr. Costa entra pela galhofa adentro e afirma que “Esta crise foi o maior atestado de falhanço das visões neoliberais”. É óbvio. E a Iª Guerra Mundial provou o carácter nocivo dos unicórnios cor-de-rosa. Chamem-me optimista: a minha primeira inclinação é não acreditar que haja um único indivíduo sem perturbações mentais graves capaz de levar a sério a frase do primeiro-ministro.

E se houver? Tanto faz. No fundo é indiferente decidir se o dr. Costa subjuga pessoas saudáveis pela força ou idiotas pelo engodo. O importante é perceber que todos, a não ser os perpetradores deste crime descomunal, caminham para a desgraça certa. A noite que desceu sobre nós em 2015 escureceu absoluta e definitivamente em 2020, quando a pretexto da Covid o PS e seus comparsas concluíram a conquista do Estado e aceleraram a conquista do país em peso. Olhar em volta é concluir que não sobra nada, nem saúde, nem economia, nem liberdade, daquela liberdade essencial que nos distingue dos bichos.

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Os portugueses, hoje, assemelham-se a uma plateia entorpecida pela tradição, vigiada pela polícia e literalmente amordaçada pelas máscaras da praxe, a contemplar em silêncio reverente as festanças dos senhores que mandam. Os senhores que mandam riem enquanto atropelam direitos, apuram o saque fiscal, ocupam sem moderação cada posto de poder, desviam fortunas em “investimentos” para consolo pessoal, salivam a antecipar a “bazuca”, a “vitamina” e “aquilo de que nós gostamos”. Os senhores que mandam riem de nós.

Não admira. Para gente sem escrúpulos, decência ou hábitos de trabalho, prosperar à revelia, ou à custa, da infelicidade alheia deve constituir um gozo peculiar. E o gozo aumenta à medida que essa gente constata a simplicidade do processo: é facílimo oprimir uma sociedade facilmente resignada à opressão. O chavão do “povo que não se governa nem se deixa governar” é dos maiores disparates que alguém proferiu. Uma pequena parte do povo governa-se na perfeição, a parte restante é mansa como cordeirinhos.

Na dita entrevista ao “Público”, o dr. Costa reflecte acerca da “extrema-direita”: “Pensávamos que estávamos [sic] imunes ao populismo e já não estamos”. Mais uma volta, mais uma viagem, mais um deliberado tiro ao lado. O populismo, se quiserem chamar-lhe assim, entrou cá dentro e alastrou-se feito metástase. Sem surpresas, veio da extrema-esquerda, por especial deferência do dr. Costa. O horror da foice e do martelo não mancha só os Aliados.