Há uma teoria em economia que prevê que uma política orçamental expansionista – com aumento da despesa ou redução de impostos – pode provocar um arrefecimento ou mesmo contração da economia em vez de, como acontece em regra, gerar mais crescimento. O raciocínio é este: as pessoas, famílias e empresários, são tão racionais e antecipam tão bem o futuro que, quando vêm o défice público a aumentar, prepararam-se para pagar mais impostos no futuro. Em face disso, poupam, em vez de gastarem o dinheiro, a mais, que o Estado lhes está a dar. Usando a nomenclatura que está na moda, esta é uma teoria que se poderia classificar como ultra-liberal
Mas é exatamente esta teoria que nos vem à memória quando nos deparamos com a medida que o ministro das Finanças propôs que fosse utilizada para medir a carga fiscal.
Na sequência dos dados publicados pelo INE, concluiu-se que o ano de 2018 registou uma carga fiscal que é a mais elevada desde que há dados comparáveis, 1995. Essa carga fiscal é medida, como habitualmente, somando as receitas dos impostos com as contribuições e dividindo pelo PIB. Em 2018 esse rácio vulgarmente conhecido como carga fiscal atingiu os 35.4% do PIB, um ponto percentual acima dos 34,4% registados no início da legislatura e naturalmente acima do “enorme” aumento de impostos anunciado por Vítor Gaspar e aplicado em 2013. Mário Centeno destrona assim Vítor Gaspar no indicador de carga fiscal.
O ministro das Finanças foi sempre muito critico dessa forma de medir o esforço que os contribuintes fazem a pagar impostos. No passado usou como argumento o facto de alguns sectores estarem a crescer mais do que outros – por exemplo o turismo -, para considerar que o esforço fiscal, assim medido, não reflectia com rigor o peso dos impostos nos portugueses.
Este ano resolveu criar um novo indicador. Para o ministro das Finanças a carga fiscal deve levar em conta não apenas os impostos presentes, mas também aqueles que se vão pagar no futuro por via do défice orçamental.
Diz o Ministério das Finanças no comunicado que emitiu a 3 de Abril que “o défice orçamental” provoca um “aumento da dívida pública” que por sua vez “irá traduzir-se em pagamento de juros em anos subsequentes e, assim, onerar orçamentos futuros com mais impostos”.
Uma constatação que só em parte é aritmética. Os défices de hoje são pagos com impostos no futuro, mas isso não significa que tenha de ser com um agravamento dos impostos. Os defensores do défice público dizem-nos que esses desequilíbrios orçamentais podem ser virtuosos: os défices de hoje geram mais crescimento económico que nos permitirá pagar, até, menos impostos no futuro.
O ministro das Finanças revela, assim, no seu comunicado que não acredita nessas virtudes do défice orçamental, de criar crescimento futuro. E se levarmos em conta o que tem sido a nossa história económica recente, Mário Centeno tem toda a razão. Os nossos défices públicos do passado traduziram-se basicamente em mais impostos no presente, sem que se veja um aumento do crescimento potencial da economia.
É com base nesse facto – défices presentes são impostos futuros – que o ministro das Finanças propõe uma nova medida para a carga fiscal: somar a receita de impostos com o défice e dividir pelo PIB. Com essa medida chegamos a uma espécie de carga fiscal inter-geracional: os impostos de hoje mais aqueles que nós ou os nossos descendentes terão de pagar por causa dos défices públicos que fazemos hoje.
De acordo com essa medida multi-anual, o nosso esforço fiscal reduziu-se de 28,5% em 2015 para 25,5% em 2018. Porque os impostos desceram? Não. Porque o défice público diminuiu. Diz o Ministério das Finanças que “a composição do financiamento da despesa nos últimos três anos foi duplamente virtuosa: menor esforço fiscal presente e futuro (através de um menor aumento da dívida futura)”. Ou seja, estamos a pagar menos impostos, mas no futuro.
O salto lógico da escolha do ministro por esta medida de esforço fiscal é concluir que Mário Centeno coloca a hipótese de as políticas orçamentais contraccionistas poderem ser expansionistas. É o mundo em que actuamos como agentes racionais, ao saber que défices presentes são impostos futuros. Se assim fosse, neste momento estaríamos todos a pensar assim: que bom, o défice está a descer, o que significa que vou pagar menos impostos no futuro e por isso posso gastar mais no presente. E, por esta via o consumo e o investimento privados aumentavam. Simetricamente, neste mundo racional, um Governo que aumente o défice público provocará uma contracção na economia porque todos nós vamos poupar mais para pagar os impostos que nos vão cair em cima no futuro.
Se todos passarmos a pensar e a actuar, reagindo com poupança ao aumento do défice público, encontramos a melhor forma de evitar uma crise por falta de financiamento: os défices do Estado são tapados com as poupanças do sector privado. Infelizmente, nós não somos assim. O nosso comportamento económico está mais associado à medida clássica de carga fiscal: ou temos ou não temos dinheiro e quando temos gastamos sem reparar se há ou não défice público. (E é muito raro encontrarmos um caso em que os agentes económicos reajam com um aumento da poupança a um agravamento do défice público).
É verdade que Mário Centeno nos trouxe esta medida de carga fiscal por razões puramente políticas – nenhum Governo gosta de estar associado a um aumento da carga fiscal quando está a anunciar o fim da austeridade. Mas acabou por nos permitir perceber que não acredita que os défices públicos criem um crescimento sustentável e, mais importante ainda, explicou de forma simples que défices presentes são impostos futuros.
Perceber que défice público é igual a carga fiscal futura, quando a dívida é grande, é fundamental para que os portugueses não voltem a premiar com o seu voto quem é financeiramente indisciplinado. E ajuda-nos a conhecer um ministro das Finanças que não conhecíamos, que contribui para nos tornar mais próximos do “homo economicus” dos modelos económicos mais controversos.