Francisco Rodrigues dos Santos, o presidente do CDS eleito, não se livra facilmente de dois adversários mais ou menos temíveis. Por um lado, a agora oposição interna, vencida no Congresso de Aveiro, que julgava possuir uma espécie de direito divino a dirigir os destinos do partido. Pelo outro, a comunicação social, orientada por um maniqueísmo que divide a realidade política em partes antagónicas, que aposta todas as fichas em encostar o novo CDS à direita mais à direita. A unir a oposição e os jornalistas há uma espécie de sofisticação intelectual autoatribuída, que não hesita em menosprezar o Francisco, ora porque ele vem directamente de uma juventude partidária, ora por ele estar empenhado em defender costumes que não se dão bem com a contemporaneidade, ora até por ele ser simplesmente o Chicão para os amigos.

Naturalmente, não há tempo a perder. Francisco Rodrigues dos Santos tem de dirigir o foco para o que realmente interessa. E o que interessa é superar os 1.9% nas intenções de voto no CDS herdados da anterior direcção. O que interessa é começar a conquistar, um a um, os eleitores perdidos. Para isto, o novo presidente do CDS tem de fazer mais e melhor do que fazia Portas e Cristas – em particular, tem de resolver o problema dos partidos emergentes à direita com que Cristas se viu confrontada e a que Portas foi poupado. A Iniciativa Liberal e o Chega, o primeiro apostado numa liberdade sem limites e o segundo num conservadorismo autoritário e populista, exigem do CDS de Rodrigues dos Santos uma retórica e uma acção mais original e mais criativa.

O CDS terá de conseguir superar a já bem conhecida oposição entre os ditos liberais e os ditos conservadores do partido, os que defendem a liberdade e os direitos individuais, de um lado, e os que defendem a moral e as instituições nucleares da sociedade, do outro. Temos de reconhecer que não é fácil harmonizar na perfeição e de forma consistente estas coisas. Portas nem sequer o tentou fazer, assumindo que bastaria a mera proclamação de que no CDS cabem todos. Cristas falhou redondamente, achando que poderia agradar a gregos e troianos com mensagens dispersas, acabando por não agradar a ninguém. É este o desafio que Rodrigues dos Santos terá de assumir e vencer.

Há uma tensão inerente à relação entre a liberdade e as instituições nucleares da sociedade – p. ex., família, escola e religião. A liberdade é do domínio da vontade, da novidade, dos direitos, do individual. Já a família, escola e religião são do domínio da autoridade, da tradição, do dever, do que é comum. O problema é a liberdade estar hoje em dia desenraizada das verdades naturais – verdades essas sem as quais ela fica fragilizada e intelectualmente exposta às críticas dos inimigos da liberdade – e o seu mau exercício estar a enfraquecer a vitalidade das instituições nucleares da sociedade. O problema transforma-se finalmente em tragédia na medida em que a liberdade individual – concretamente, o exercício responsável e frutuoso da liberdade – não sobrevive sem famílias estáveis e coesas, sem educação escolar sustentada na autoridade dos professores sobre os alunos, e sem o respeito pelo que é inviolável no interior da pessoa humana e para além dela.

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Tudo isto é de primeira importância para o CDS, não apenas porque o seu eleitorado natural está a um mesmo tempo empenhado em promover a liberdade e em conservar as instituições nucleares da sociedade, como ainda porque o CDS defende a ideia de que cabe às pessoas governar as suas próprias vidas e não ao Estado governar a vida de todas as pessoas. Ao contrário da esquerda que – na sua pulsão igualitária – tem do Estado uma concepção paternalista, desresponsabilizando assim os cidadãos dos seus deveres privados e públicos, o CDS vê em cada pessoa um indivíduo livre, certamente apto a exercitar em liberdade os seus direitos em busca da felicidade e melhoria das suas condições económicas, mas também desejavelmente educado a exercitar em liberdade os seus deveres perante ela mesma e os outros. Não há boa liberdade sem educação. E não há boa educação sem instituições fortes.

É evidente que estas considerações não se traduzem por si só em políticas concretas, mas podem abrir algumas perspectivas novas. (1) Desafiam o novo presidente do CDS a tentar superar deficiências que foram patentes em Portas e Cristas. (2) Dão pistas para o compromisso possível entre as sensibilidades mais liberais e mais conservadoras do CDS, iluminando os limites do problema e, por consequência, reconhecendo que em política não há soluções perfeitas. (3) Podem ser atractivas para todos aqueles que, sendo conscientes de que nem a liberdade pode ser ilimitada, nem o conservadorismo pode carecer de razoabilidade, encontram no CDS a representatividade que procuram e a alternativa inteligente aos excessos libertários da Iniciativa Liberal e aos tiques autoritários e populistas do Chega. E (4) posicionam o CDS de Rodrigues dos Santos onde o CDS sempre esteve e, desse modo, longe do lugar onde a oposição interna e a comunicação social, pelo menos para já, ainda teimam em querer que ele esteja.

Nuno Lobo é licenciado em filosofia e militante do CDS